Os Sete Degraus
Nas imediações do velho cais havia uma casa de sobrado meio que abandonada, porém ali residia uma senhora singularmente estranha: não tinha amigos, sequer dirigia a palavra a alguém.
Por cima do pequeno muro que circundava o jardim, avistava-se através de uma comprida janela a escadaria toda feita em madeira que dava acesso ao andar superior.
Fora projetada e entalhada por seu marido, um certo Sr. Dalino, que há muito partira para o reino dos Céus.
Era composta por sete degraus. Não se sabe se devido à estranheza nos modos da velha moradora ou pelo aspecto de abandono do imóvel, o certo é que nos arredores teciam comentários sobre os segredos guardados por seu construtor em cada um de seus lances e quem chegasse a encará-los teria a sorte ou o azar como companhia para o resto da vida.
Após um rigoroso inverno a antiga moradora pôs a casa à venda, pois fora vítima de grave enfermidade e precisou do apoio da família - que morava em outras terras - para recuperar a saúde.
Vieram os corretores de plantão, usaram todos os tipos de argumentações: grandes cômodos arejados, vista privilegiada para o mar, pomares no quintal, cercada de frondosas árvores, do lado da sombra, mas nada disso entusiasmou comprador algum.
Seria o assombro do segredo dos sete degraus? Poderia, qualquer um, arriscar: caso acertasse, a sorte jamais o abandonaria; caso contrário, os danos seriam para sempre.
Veio a modernidade e novos arranjos foram efetuados no cais e nas ruas adjacentes.
Demoliram a casa de sobrado, mas deixaram intacta a escadaria dos sete degraus.
Deram-lhe nova cobertura de verniz e bases para sua sustentação; seu último degrau agora dava acesso a um lindo castelo em miniatura, local preferido para a criançada brincar, dentre tantos brinquedos que a nova praça disponibilizava.
O imaginário popular é capaz de gerar o medo.
O mundo infantil recria a magia dos sonhos.
Feliz quem a carrega para todo o sempre.