A vítima do outro lado *

– Ele é violento!

A mulher fogoió de braços carnudos, músculos bem definidos em seu corpanzil de um metro e oitenta, foi quem exclamou. Entrou segurando um pacote, que, nervosamente, trocava duma mão para a outra. Indicado lhe foi um assento, que ela ocupou inquieta.

– Olhe, dotôra, tenho pressa. Pressa de que a dotôra meta aquele Gaudêncio no xilindró!

– Se acalme, senhora. É necessário montar o processo, juntar as provas...

– E a senhora acaso não está me ouvindo?

– Eu? É, de fato estou ouvindo, mas não é simples assim. É preciso que as partes venham às audiências, conforme sejam convocadas... Entendeu?

– Acho que sim. Pois vamo logo com isso! Tá vendo esses dentes? – abriu a boca, aproximando sua cabeça à da jovem advogada.

– Dentes? – A advogada indagou, surpresa, pois só avistava crateras de um lado e gengiva rosada doutro.

– É – confirmou a mulher, fechando a boca e voltando a cabeça ao corpo, sem o esforço do estiramento anterior. – Não tenho dentes, como vê, dotôra. Foram arrancados de mim, num momento de agressão. Ele é violento! Eu disse que ele é violento! Oh!, não ouviu? Eu tô fogoió de medo! Se ele me pega numa revanche, eu tô no sal! O que é que eu faço, hem, dotôra? Tô é quase rezando que ele não venha pra essa audiência! Ele é muito violento! Eu já disse que ele é violento?

– Disse, disse sim.

– Porque ele é! Tá vendo que me quebrou os dentes? Então! Dotôra, veja bem: não quero dinheiro dele não! Tem home que pensa que a gente entra numa demanda, pra bragatear dinheiro!

– Bragatear?

– É! Não sei que nome vocês dão no jurídico, mas eu digo bragatear. É tirar vantagem, levar algum, tá percebendo o lance?

– Estou... quase. Escute, minha senhora, quando estiver com o juiz, não use essas gírias. Não fica bem...

– Ah, tá. E o que é gíria?

– Essa palavra... braga...

– Bragatear.

– Essa! Então...

– Então, o que, dotôra?

– É gíria.

– O que é gíria? Pois não foi o que perguntei? Me diz aí, vai, Das Lei! – bateu com força no ombro da “dotôra”.

* Trecho do livro: ARREBOL, da escritora Maria Montillarez

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Boa leitura,

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