Efésio no dia cinco do mês vigésimo quinto do ano quadragésimo nono
Os dois saíam dos raciocínios. Noite de sexta-feira. Caminhavam de mãos dadas, em direção ao lar. Conversavam ainda sobre as verdades. Ele acariciava firmemente a mão de sua esposa. Em uma rua movimentada, dessa vez deserta, um grupo de seis jovens os abordaram: cercaram-nos, puxaram a moça pelo vestido, empurraram o rapaz. Ele pretendeu defendê-la: socaram-no, tornaram seu rosto para ela, bateram repetidamente na face de sua esposa. Ele mais uma vez tentou defendê-la: cada um do grupo amarrou correntes nas mãos, socaram-no na maçã do rosto, no nariz, nos rins, nas coxas. Caído, na fraqueza do ser, tentou recompor-se. O grupo ria, empurrava-a de um lado para outro: davam leves tapas nela, puxavam seu cabelo, beijavam sua boca, um por um. O rapaz novamente foi levantado, foi mais uma vez levado a defendê-la. Correu aos vis, de mãos fechadas e nuas. O grupo desembainhou seus pedaços de pau; mais uma vez cinco deles o espancaram: com as madeiras arrancaram três de seus dentes, com os pregos das madeiras furaram duas de suas costelas, com as garrafas quebradas rasgaram uma de suas coxas, com a boca cuspiram em sua boca. O bando afrouxou os cintos: o líder riu, todos riram, insinuaram um local próximo, agarraram-na pelos seios, socaram-na três vezes no nariz, amarraram pelas mãos, tiraram sua calcinha, um deles a colocou no ombro. Antes de irem, foram até ao rapaz, levantaram sua cara do chão pelos cabelos, e a apresentaram amedrontada, mijada como um troféu. Um deles arreou as calças, mijou nele e o forçou a mastigar a roupa íntima de sua esposa. Os seis, agora oito começaram a ir embora, devagar, rindo. O rapaz tentou recompor-se para persegui-los, para salvá-la, sua amada. Arrastava-se até eles; avistou o local onde o grupo entrou. Arrastou-se. Arrastou-se mais. Arrastava-se. O sangue com cheiro de urina encharcou a rua. Arrastava-se, novamente, e mais. Arrastou-se até ser acometido por um choque. Tentou gritar, não conseguiu: a língua estava cortada, a gengiva rasgada, o pulmão amassado, os lábios quebrados, o nariz preenchido por sangue, a respiração fraca. Arrastou-se. Arrastava-se. Tudo entrou em silêncio aos seus ouvidos. As buzinas se silenciaram. Ele gritou: o grito foi ouvido pelo bando, que ainda estava a pensar como forçá-la: havia um colchão sujo, dez jovens e uma moça: a noite pretendia ser longa. O clamor estridente, agonizante, aterrorizante ensurdeceu seus próprios ouvidos. Tudo voltou a ficar silencioso. Ficou parado, turvo, agonizando em rua pública. Ele abaixou a cabeça; tomando fôlego, levantou-a e olhou para frente, com as retinas paradas: seus olhos se viraram, ficaram brancos. Suas unhas viradas apoiavam-se no chão para levantar seu corpo. Capengas, as pernas se esforçavam para levantá-lo. Foi levantado: levantou-se. Olhou para frente. Avistou o local. Começou a andar: cambaleava, todos os seus músculos sangravam imensamente. Passos lentos, progressivos, concomitantes. Passos crescentes. Lentamente aumentava o ritmo. Seus braços começaram a se mexer. Ele gritou mais novamente, clamou pelo Criador e Senhor de tudo e de todos: suas coxas pararam de doer, a hemorragia parou por um momento, a fraqueza sumiu, o fôlego voltou, como que um vento impetuoso. Começou a correr violentamente, concentrado, sem respirar. Seus olhos viraram mais, as veias saltavam ao seu redor. O rapaz chegou ao local: estourou as correntes do portão, chutou a porta, que voou em um dos jovens do bando. O grupo estava prestes a forçar sua esposa: ele se assustou com o aparecimento repentino do antes moribundo. Largaram a moça na poça de vômito e decidiram matá-lo de uma vez. Queriam que fosse rápido pois havia pouco tempo restante para forçá-la naquela noite. Todos os agora doze vieram contra ele. Pegaram paus, correntes, garrafas, isqueiros, álcool, facas, pedaços de telha e panos molhados. Todos vieram, concomitantemente, em fila, sucessiva e rapidamente: o rapaz furou com os dedos os olhos do primeiro; o segundo teve a boca aberta até que o maxilar se rasgasse ao meio, o terceiro agarrou-se nas costas do rapaz enquanto o segundo era punido, que teve seu queixo despedaçado, esmiuçado; o quarto teve seus joelhos quebrados, os quinto, sexto, sétimo e oitavo tiveram seus pescoços e suas bochechas rasgadas com uma das garrafas, o nono desmaiou com um chute no estômago, o décimo morreu de infarte com um soco concentrado, o décimo primeiro sofreu traumatismo craniano; o décimo segundo estava ainda a segurar a moça. Ameaçava-lhe enquanto o rapaz chegava cada vez mais perto: o último jovem do bando a segurava pelos braços; o rapaz ignorou, levantou-o pelo pescoço, apertou-lhe até que os olhos saltassem das pupilas, submeteu-o ao chão, agarrou-o pelos dois braços e arrancou-os. O rapaz virou-se para trás, matou os que ainda não estavam na segunda morte: um por um, pisando no pescoço.
O homem olhou para a mulher. Ela estava olhando para ele fixadamente, atordoada e lambuzada por vômito. Ele sorriu, suas pernas bambearam. Seus olhos voltaram ao normal, sua face tornou-se serena, ele caiu. Desmoronou suavemente no chão. Ela se esforçou para levantar-se; arrastou-se até ele. Arrastou-se, arrastou-se mais, mais uma vez e correu tropicando até ele. Pegou-o pelas costas. Ele começou a vomitar sangue; olhou para ela, e sorriu. Agradeceu ao Criador e Senhor de toda capacitação e de todo sustento; calou-se. Ela estava com o olhar aterrorizado, apavorado. Não se mexeu, apenas o sacudiu: estava quieto de mais. Ele como que acordou, estava sonolento. Ela chorava, rangia, pedia para que ele ficasse com ela. Fique comigo era seu mantra. Por favor era seu pedido. Ela gritou. Ela também gritou. O grito foi longo e contínuo. Exclamou ao Senhor dos céus: escorou-se sobre ele, beijou sua boca. Ele despertou; as lágrimas de sua querida lavaram seu rosto. Olhou para ela, tentou falar. Ao fazê-lo, novamente vomitou sangue. Sua pele avermelhava, principalmente sobre os rins. Ele balbuciou: agradeceu ao Criador, amou-a. Ela chorava. Ele sussurrou poucas coisas, degustou o sangue nos dentes, mordeu a língua sem querer. Seu lábio secou-se, seus olhos ficaram miúdos, sua pele pálida. Ela repetia ao Senhor por socorro. Ela gritou ajuda. Gritou uma vez. Gritou duas vezes. Gritou três vezes. Orou. Clamou. Chorou. Tentou arrastar-se com ele até a rua: viu que a tentativa fora inútil, escorou-se em um saco de preservativos. Chorou copiosamente. Ele pediu para que ela se acalmasse. Ela olhou para ele com ternura desesperada. Ele a consolou, a amou. Tirou uma pequena versão da Escritura do bolso. Falou ao Senhor, agradeceu pelo amparo: foi levado a entregar seu espírito com sua boca antes incapacitada.