Doutor Brasileiro *
Quando Rufino saiu do escritório estava chovendo e fez de guarda-chuva o jornal que carregava. Apertou o passo, pois a noite avançava e a chuva aumentava.
De repente, parou, pensando se o esforço que fazia com suas pernas cansadas era diretamente proporcional aos prejuízos de se molhar. Tirou o jornal da cabeça e desafiou a torrente.
– É só água, afinal, e não sou açúcar pra me dissolver com ela.
A casa bonita surgia a sua frente, com um jardim bem cuidado. Por um instante, ficou olhando para ela, a água invadindo mais seus sapatos, a camisa grudada ao peito sem pelos.
– Por que não nasci um macaco? Por que não nasci nessa casa, mas moro aqui? Por que...
Suas interrogações desenhavam um homem que estava à beira de fechar um ciclo. Quando se está à beira de fechar um ciclo, inventa-se indagações, contesta-se valores, revê-se tudo. É hora do balanço. O resultado desse balanço nem sempre agrada. A encruzilhada se desenha à frente. Era Rufino, ali, parado, molhado, completamente desalinhado pela chuva, segurando o jornal igualmente encharcado e pesado. Atirou-o ao chão e o pisou numa expressão de ira. Abriu o pequeno portão ao lado do portão maior e entrou.
Um corredor lateral bem estreito – degradados andam pelos becos –, quase um caminho de ratos, levava-o a outro ambiente: o pequeno barraco onde habitava com sua esposa e sua irmã. Situava-se ali, bem atrás daquela linda casa, seu moquiço, seu buraco.
– Cansei de ser e viver como um rato – disse ao pisar dentro de casa, formando poças d’água no piso quebrado.
– Não reclame, Rufino, moramos “de graça”! – Julieta o repreendeu, em um tom irônico, que Rufino nem percebeu.
– De graça, Julieta? De onde tirou essa “revelação”?
– Bem, quero dizer que não pagamos aluguel. É com o que tento me consolar! Fazer o quê?
– Isso não basta! Não basta! Olhe pra mim! Estou desde as cinco da manhã lavando as vidraças do prédio do doutor Brasileiro e atuando como substituto, durante suas longas tardes, afastado do escritório. Não para mais lá.
– Aonde vai todas as tardes?
* Trecho do livro: ARREBOL, da escritora Maria Montillarez
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Boa leitura,
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