Carta Magna *
A minha família e a família do meu marido Osório implicam porque eu não trabalho fora de casa, num desses empregos fixos, com carteira assinada e direitos trabalhistas assegurados.
Não preciso. É. Desnecessito do ponto de vista financeiro e de qualquer outro ponto de vista. Se tenho dinheiro em minha conta corrente, pois meu marido Osório trabalha por nós dois, eu não me amofino com esses ataques. Que falem!
Como não trabalho, sobra tempo para compras, para passatempos, para viver. Minhas energias são absorvidas nas mais variadas tarefas e sinto-me privilegiada. Meu único enfado é não me identificar com nenhuma ocupação definida. Tenho tentado ser nutricionista e me formei, mas, não me dedico. Os poucos clientes que me procuram, são deixados esperando até desistirem. Tenho tentado ser cozinheira (em minha própria cozinha), além de agente comunitária, assistindo aos menos favorecidos. Nada disso me preenche e abomino a ideia de me ocupar, se eu tiver de bater ponto, inda que seja figurativo.
O resultado de todo esse ócio, enquanto todas as minhas amigas trabalham, é um sentimento de solidão, vago como a solidão é; de inadequação ao meio em que vivo. Não pertenço a nada, com nada me identifico. Observo aqui, que não me sinto culpada em ter o privilégio de ser desocupada. Foi a compensação que recebi da vida. Acredito que n’alguma encarnação anterior eu deva ter sido serviçal, escrava... Agora vim de princesa. Sou espírita e acredito nisso.
Há muitos acertos em minha opção espiritual, mas não tenho o propósito de falar deles, a não ser, afirmar o fato de que somos efetivamente ligados ao bem-estar do próximo. Preocupamo-nos em socorrer os necessitados e temos outros pontos de bondade. Como disse, não pretendo falar disso. Quero falar mesmo é de tudo que observo morando no centro desse edifício.
Reafirmo que não tenho problemas com falta de dinheiro. Meu marido é um dos homens mais ricos do mundo. Ele construiu esse prédio de quinze andares com o principal propósito de morarmos nele, então, projetou em nossa residência todas as prioridades. Foi uma surpresa quando me convidou para conhecê-lo. Gostei de cara. Depois de quinze anos de casados, foi nosso presente de casamento: um prédio com quinze andares.
Meu marido não é maluco. Não cogitamos ocupar os quinze andares! Saímos de uma mansão linda para morar aqui. Deve-se supor que haja um diferencial. Errou quem pensou numa cobertura fantástica. Na verdade, esse prédio possui uma arquitetura diferenciada, é circular.
* Trecho do livro: ARREBOL, da escritora Maria Montillarez
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Boa leitura,
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