O Susto

Ao entrar na sala, constatei algo estranho, visto que os três me olhavam de uma maneira aterradora. Sentados nos braços da poltrona, pai e mãe pareciam conter o filho que de certa forma esperneava e tinha uma expressão facial de quem estava em transe. Às suas costas, alguns objetos em desordem deixavam às claras certo atrito ocorrido, algo tipo uma troca de forças, conclusão reforçada pelo esforço que eles imprimiam para que o garoto permanecesse sentado.

Sentimento de angústia foi a leitura que fiz no rosto e na atitude desesperada dos pais. O corpanzil do homem tremelicava todo, exigindo muito mais do seu vigor, acelerando em muito sua corrente sanguínea tal era vermelhidão exposta em sua pele; a mãe, fazendo uso de seus parcos recursos, chegou a denotar caracteres de súplicas visivelmente estampados em seu olhar arqueado.

Foi quando percebi o jovem apontando em minha direção, a boca informe e riscada para um dos lados, quase entrei em pânico. O ambiente apenumbrado dava um toque místico na cena e uma súbita inquietação tomou conta de mim. De repente ouviu-se um grunhido ensurdecedor, o rapaz a esta altura já se mostrava irritadiço, e numa reação hercúlea tentava safar-se a todo o custo.

Ouço passos na escada de madeira, repercutindo estrepitosamente. E vejo, como uma louca, a figura de uma velha assomando de um compartimento sombrio, vestida em frangalhos e os cabelos espevitados. O semblante é assustador, apresentando a cavidade dos olhos em brasa, minúsculas línguas de fogo agitando-se nas órbitas vazias. A boca apresenta-se côncava, chupada, murcha. Os braços agitam-se no ar, como a invocar deuses malignos, tiras de peles enrugadas pendem ao balanço enervado.

E de todos os lados surgem outros entes da família com suas posturas cadavéricas e fantasmagóricas. E vêm coxos, esqueléticos, um bando de trapos humanos com seus figurinos de terror. Um cheiro forte (presume-se) de enxofre impregna a atmosfera perturbadora e o caos se instala por completo. Não se escuta nada além de urros, uma babel insana permeando as linhas do irreal e absurdo.

Chego a casa sem fôlego, “branquelo” de susto, batendo a porta fortemente atrás de mim. Todos me olham com perplexidade e eu dirijo-me apressadamente à geladeira, deleitando-me com ávidos goles de água ao mesmo tempo em que vou tentando criar uma desculpa menos vergonhosa em admitir que todo o meu medo advém de um novo jogo de vídeo game.

Rui Paiva
Enviado por Rui Paiva em 30/09/2014
Código do texto: T4982614
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2014. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.