Hoje tem Espetáculo!

Quem vem pela rua principal, à altura da Vila dos Pastores, não há de saber que onde se ergue imponente supermercado fora, em outras épocas, um terreno sem muro que servia de campinho onde a molecada jogava uma pelada e, às vezes, era cenário de montagem de circos mambembes que faziam apresentações nas cidades circunvizinhas.

Inúmeras vezes vi homens de torsos nus, espadaúdos e musculosos, fincando estacas com marretas, esticando o couro puído das lonas, imersos no lodaçal provocado por longos períodos de chuva.

E a montanha em forma de cone, com suas listras coloridas, mescladas de estrelas e cometas, tomava forma de espetáculo. Nas jaulas, dormitava tranquilamente o leão, com sua juba ressequida, um pouco magrinho para nossa curiosidade; macacos sonoros e irrequietos pululavam sem parar; a cobra jiboia, protegida por uma tela de arame, dava voltas ao redor de si, mantendo um olhar desafiador ante o nosso espanto.

O mais impressionante de tudo era uma dupla de irmãos, com características idênticas, que poderiam passar despercebidos não fosse uma particularidade: eram anões, assim com o pai também o era. Perfilados, os três, não se sabia quem era quem, salvo alguns sinais de identificação que só os mais íntimos conseguiam distinguir.

O palhaço Tobinha e os irmãos acrobatas eram as atrações principais do Gran Circus Apolo. Todas as tardes dezenas de meninos e meninas acompanhavam pelas ruas o apresentador de espetáculos, a cara toda esboroada de tinta, suspenso em enormes pernas de pau, vagando pelas ruas entoando a cantilena: “hoje tem espetáculo? Amanhã também tem?”, e o famoso refrão em uníssona voz da molecada “tem sim, senhor!”. Ao término do percurso, éramos “carimbados” na testa com pedaço de carvão, uma credencial para entrarmos sem pagar, devido nosso apoio aos apelos do apresentador.

Quando os caminhões encostavam para recolher todo o material do circo, já todo desmoronado em montículos, nós ficávamos mergulhados em indescritível melancolia. Ao partirem, apinhados de materiais de toda a espécie, levavam um pouco da nossa alegria. Iam levar diversão e sonhos para outras cidades, assim era o destino deles. Mas, tão bom seria se pudéssemos ir com eles, pelos caminhos afora, compartilhando em cada estágio a deliciosa sensação deste mundo mágico!

Rui Paiva
Enviado por Rui Paiva em 30/09/2014
Código do texto: T4982007
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