O Velho Canoeiro
Todos a chamavam de dona Guidinha, uma forma carinhosa de abreviar o nome originado de um belíssimo exemplar de flores.
Encontrei-a, pela primeira vez, tirando água da cacimba, em pleno meio-dia. Na ocasião ela usava da força de seus braços delgados para içar o balde que vinha transbordante de água salobra.
Após depositar todo o líquido no interior de um pote, rapidamente correu para o moinho a fim extrair o caldo das canas-de-açúcar.
Sua cabana de barro ficava à sombra de uma goiabeira e, mais adiante, vários coqueiros perfilados davam um toque especial à paisagem.
No terreiro, várias aves disputavam farelos de pão e faziam uma algazarra danada. Um cajueiro arqueava a copa, preguiçosamente, inundando tudo de sombra e folhas.
Seu Nestor, o marido, estava no abrigo de sempre, na oficina onde artesanalmente fabricava canoas, profissão que aprendera desde quando as utilizava no pescado.
O casal levava uma vida de árduo trabalho em absoluta tranquilidade.
Até que um dia a companheira contraiu estranha doença e atendeu mais cedo ao chamado do Pai.
Apesar da perca irreparável, seu Nestor acumulou tarefas e foi tocando a vida. Suas mãos hábeis mais e mais encantavam com a perfeição dos entalhes na madeira.
Todas as noites, antes de dormir, o velho canoeiro relembrava da amada, o coração embebido de saudade.
Em um de seus sonhos, teve a visão de sua mulher a sorrir-lhe e cuidou ter sentido um perfume adocicado de certa flor do campo.
Acordou com uma leveza no espírito e cumpriu regularmente o seu ofício.
À noitinha, olhos fitos numa grande imensidão de areia que se perdia ao longe, dividiu a solidão com as estrelas que pontilhavam o azul-marinho dos céus.
De repente, como por encanto, uma lua dourada surgiu atrás da cortina de palha dos coqueiros e, brincando de bem-me-quer, derramou sobre o velho uma chuva de pétalas de margarida.