430-HANK SAVU, O INDONéSIO-Um tipo pitoresco
HANK SAVU, O INDONÉSIO
Chamava-se Hank Savu, o sobrenome denunciando sua origem : Savu é uma pequena ilha, entre milhares, que constituem a Indonésia, situada bem ao sul do arquipélago. Mudou-se com a família para Amsterdã ao completar dezesseis anos. Na metrópole, continuou os estudos e formou-se em engenharia. Entre idas e vindas, altos e baixos de sua carreira profissional, calhou de vir trabalhar no Brasil, contratado por empresa que erguia a represa de Furnas, no Sul de Minas.
Embora não fosse praticante religioso, tinha sido criado na fé muçulmana. O que não o impediu de se casar com Ivone, jovem professora muito católica, que lecionava na “Vila de Furnas”, o aglomerado de casas para os operários da importante hidrelétrica em construção.
Não compreendia muito bem a religião da esposa, embora fosse tolerante e até chegava a freqüentar a igreja católica de vez em quando, mais para acompanhá-la. Certa ocasião, quando os dois visitavam São Roque da Serra, cidade próxima a Furnas, foram à igreja matriz, onde estava sendo celebrada a Semana Santa. Entre os diversos rituais, todos incompreensíveis a Hank, chamou-lhe a atenção o fato de o sacerdote colocar o cálice no sacrário e fechá-lo com um cadeado. .
— Que significa isto? — Perguntou à esposa.
— Acabou a cerimônia. O padre tranca Deus lá dentro. Ele fica lá até na hora da próxima missa. — Foi a explicação simplista de Ivone.
Mais tarde, em casa dos pais de Ivone, Hank comenta com a sogra::
— Que Deus engraçado vocês têm. Quando não está sendo usado, tem de ficar trancado!
Hank pouco entendia de política. Na época destes registros, a década de 1960, vivia-se o período da Guerra Fria. Estados Unidos e União Soviética estavam à beira de um confronto real. A ameaça do comunismo era uma paranóia no mundo ocidental. Em 1964, a ditadura implantada no Brasil mais acerbou o sentimento anticomunista.
Hank gostava de caminhar pelas cidades. Aconteceu de, num passeio pelos arredores de São Roque, adentrar-se pelo bairro de Cristo-Rei. O bairro ainda estava em formação, com poucas casas, pequenas e todas iguais, que eram parte de um conjunto habitacional em início, para gente de poucos recursos. Era domingo, e alguns operários trabalhavam em sistema de mutirão. No centro, havia uma pequena praça, com a uma imagem do Cristo-Rei em tamanho normal. Como se sabe, Cristo-Rei é apresentado com as honras de um soberano, usando uma vistosa capa vermelha, a cor da realeza.
Impressionado com o que viu, aliado com os poucos conhecimentos de política, chegou-se para o sogro, e em tom de confidência, segredou-lhe:
— Acho que alguém deve avisar ao delegado de polícia que lá praquelas bandas (e apontou na direção do Bairro de Cristo-Rei) tem uns comunistas construindo umas casinhas todas iguais e uma estátua do chefe deles, com a bandeira vermelha nas costas.
ANTÔNIO GOBBO
Belo Horizonte, 10 de maio de 2006
Conto # 430 da Série Milistórias