A CATEDRAL DE MILÃO

        Uma das mais deslumbrantes obras de arquitetura é a catedral de Milão. Quando aterrissei na cidade pela primeira vez, dia dois de janeiro de dois mil e cinco, fui direto ao seu encontro, às onze horas da noite. Queria ver de perto aquela imponente e majestosa catedral. O ruído das rodinhas da mala arrancou risinhos dos noctívagos que iam e vinham pela Piazza Duomo e pela galeria Vittorio Emanuele. Ela estava fechada, mas, não me importei... estar por ali era um presente de Deus. Que esplêndida!... encheu-me de grande emoção. A primeira e eterna imagem da Itália pra mim será sempre o Duomo de Milão.
        Muito cansada da viagem, peguei um táxi e fui pro hotel próximo à Porta Ticinese. Dia seguinte, peguei ônibus para apreciar a cidade pela janela. Amei Milão, de todos os modos. Era algo afetivo, além do concreto. Fui passeando pelos pontos turísticos... o Palazzo della Ragione e a Loggia degli Osii defrontam-se com a Piazza Mercanti, centro comercial e administrativo da Milão Medieval. Segui pisando macio naquele chão de tesouros pra mim. Já nos tempos do Império Romano, Milão fora um grande centro político, e por séculos prosperou economicamente, tornando-se via de passagem e paragem de cidadãos do mundo todo. Suas ruas estampam indelevelmente a história universal. Objeto de disputa de gibelinos, bispados e dinastias durante a Idade Média, sua população viu a dinastia dos Sforza ser destituída pelo rei Luís XII da França, em 1499. Depois, as forças suíças chegaram em 1512, e expulsaram os franceses. Décadas mais tarde, a cidade passou para o domínio da Espanha; em 1706 chegaram os austríacos e tiveram o desgosto de ver Napoleão desfilar pelas suas avenidas. Derrotado Napoleão, a cidade voltou ao domínio da Áustria e o povo se embrenhou numa grande revolta. “A primavera dos Povos” (1848) foi um marco na história de Milão e de toda Lombardia. Somente após a Batalha de Magenta, em 1859, Víttorio Emanuele II entrou em Milão. Era o começo da unificação da Itália, e a bela metrópole foi conquistando seu espaço no mundo político e financeiro, tornando-se um ponto de encontro da sociedade mundial.
        A Catedral de Milão, a segunda maior do mundo, foi iniciada em 1386 e só concluída cinco séculos depois. Seu exterior é um deslumbre!... adornado com uma profusão de torres e pináculos e mais de 3000 estátuas... em estilo neogótico, ocupa 11.700 metros quadrados, tem 158 metros de comprimento, 52 pilares que sustentam as altíssimas abóbadas, 5 naves que chegam a 45 metros de altura, 108 (m)de largura, e é decorada com várias séries de estátuas e alto-relevos. Os pináculos são únicos, 136 pontas de mármore esculpidos com estátuas sacras em suas pontas. Quadros raríssimos pendem do topo das paredes, e em outras, quadros e afrescos milenares, valiosíssimos. Só quando, finalmente, foi colocada a estátua da “Madonnina” (4 metros de altura) no topo de uma torre externa em meados do século XVIII, ela realmente ficou pronta. Esta Madonnina (em ouro) é símbolo da cidade, capital da Lombardia.
        Os passeios me levaram pro Parco Sempione, Castelo Sforzesco, pra Igreja San Babila, Museu Brera Art Gallery, e o Palazzo Reale. Fui visitando praças e passando por ruelas estreitíssimas, pelos arredores da região central. E achei uma super feira!... tinha mil coisas: indianas, árabes, marroquinas, comidas de diversos tipos,... chocolates, tecidos, ervas, especiarias, flores, cerâmicas, coisas antigas, imagens, e muito mais. Ponto de encontro de viajantes e migrantes, suas linhas de metrô e ferrovias conduzem a todos os confins da Europa.
        Em 1940, a Itália entrou na II Guerra Mundial. Muitas cidades, de norte a sul, foram atingidas por bombardeios dos aliados. Dentre elas, Milão!... Imaginem os tesouros históricos seculares partindo-se em pedaços... é aterrorizante! A princípio, o alvo dos inimigos eram as fábricas e as estradas de ferro, mas depois passaram a derrubar patrimônios históricos-culturais de valor inestimável. Milão também foi atingida e sofreu alguns danos! Os sessenta ataques aéreos sobre a cidade deixaram numerosos mortos e inúmeros feridos. 504 aviões lançaram a vergonhosa quantia de 2000 toneladas de bombas, fazendo um grande estrago sobre a metrópole. Os bombardeios iniciaram sobre Porta Venezia, Porta Ticinese, Corso Sempione, e foram incendiando as casas e os edifícios. Depois, foram alvejados o Teatro Verdi, o Palazzo Reali, o Hospital Maggiore, o Teatro Scala, a Basílica de Santo Ambrógio. Parte da Igreja Santa Maria delle Grazie e inteiros quarteirões do centro da cidade foram danificados seriamente. Prédios ruíram, árvores foram ceifadas, e a cidade perdeu aproximadamente um terço de suas construções,... sobraram escombros por todos os lados. Com intuito de proteger as belas obras da Catedral de Milão, os vitrais e as refinadas estátuas de agulhas pontudas que formam o entorno magnífico da grande igreja foram retirados e armazenados no subterrâneo da mesma. Porém, algumas das torres necessitaram de restauro.
        Finda a guerra em 1945, e nos dez anos seguintes, o povo milanês foi à luta pra reconstruir a cidade. E o fizeram de modo exemplar.
        Chegou o dia da Epifania e tive uma grata surpresa: festividades pelas ruas cheias de gente, num longo percurso no entorno da Catedral – “Os camelos vão passar” – ouvi as pessoas dizerem. E logo começou um desfile de gente vestida à caráter... e os três reis magos sobre cavalos... que pena!... os camelos não conseguiram chegar!... Foi uma grande celebração. Fui junto com a multidão até o Duomo, e tive o prazer de ouvir um coro de vozes afinadíssimas entoando música sacra. Um padre iniciou os rituais da santa missa, em latin. Só sei que senti aquela sensação mística que nos envolve de modo especial nas festas natalinas.
     Ao anoitecer, antes de me despedir da cidade, fiquei horas a dimensionar a grande riqueza que me proporcionara aquela viagem: fiz novos amigos, vi belíssimas paisagens, e descobertas da História que pertence a todos os que buscam suas raízes.

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                                                  IZABELLA PAVESI
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                                                       imagem: internet

TEXTO PUBLICADO NA REVISTA INSIEME (italiano-português) - nº 191 - de Novembro.2014