Em pé: No alto da ponte

A ponte é alta e de cima da mureta fica ainda mais alta.

De pé , segurando no poste de luz, olho para baixo, a água parece nem se mexer. Retorno o olhar frontal. Olho para cidade, suas luzes, prédios, carros... Inclino a cabeça para cima o céu escuro de uma lua minguante com tempo nublado, “é”- Penso – TiMTIM faz meu celular dentro da minha calça- “Droga, esqueci de desligá-lo”.

telemarketing da operadora “vai tomar no cú, porra, isso é hora”- Grito com o celular me desequilibro. Opa. O celular cai. Olho o poste de luz, me agarrei forte nele, estou salvo, me reequilibro, sento na mureta com os pés no chão, apanho o celular vou aproveitar para ler as mensagens, os e-mails. “Ano político no Brasil é sem dúvida o maior festival de cine Trash do mundo”- essa é boa compartilho, “a polícia mais uma vez...” “ Decapitado mais um...” “Criança de 11 anos é encontrad...” “Mais um pastor envolvido em...” Bancada evangélica ...” só lixo, vou pros e- mails, conta disso daquilo, prestações atrasadas, ex-namorada, família, trabalho, meu chefe cobra os relatórios, notas fiscais e as metas, sempre as metas .... Paro de olhar o celular, olho novamente para o céu. O vento levou um pouco das nuvens, tem umas estrelas agora. ‘Foda-se as estrelas”- penso.

Me levanto na mureta de novo, viro para o lado da água, opa... me desequilibro... meu celular cai lá em baixo, fico olhando sua descida lenta, até que some da minha vista,” é a ponte é alta mesmo”- penso.

Não voltei para casa nesse dia, não voltei pro trabalho nem para a família.

Hoje, raramente lembro daquela vida. Hoje empurro meu carrinho e cato latinhas pela rua. Os últimos dias tem sido bem felizes, eu meus dois cachorros, minha companheira e meus amigos vagabundos que encontro a cada cidade nova que chego.

Aqui, nessa lan house resolvi escrever esse texto, queria compartilhar com vocês meu suicídio social. Eu tinha acabado de perder um amigo que se jogou de uma ponte, deixou família, amigos, tudo... um dos nossos amigos em comum então disse: “Porque que ele não virou andarilho ou mendigo?! Quem sabe depois de uns anos ele resolve voltar...

Hoje faz exatamente dois anos depois daquela noite em que meu celular caiu, ainda não resolvi voltar, mas posso.

kambo
Enviado por kambo em 22/09/2014
Reeditado em 28/04/2017
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