417-O BAIXINHO PESCOCIN-Humor-Piada recontada
Era o baixinho mais encrenqueiro que existia em Tabatoa e região. Não atingia sequer metro e vinte de altura, tinha braços curtíssimos e a cabeça enterrada diretamente no tronco. Não, não era anão, mas tinha um nome que rimava: Adão. Em função da pequena estatura, do jeito estranho de andar e do nome, recebia os mais diversos apelidos, os quais nunca aceitou. Brigava com quem o chamasse por apelido. Um, todavia, permaneceu, pois era apropositado: Pescocim, justamente pela quase ausência de pescoço.
Adão Pescocim era conhecido por toda a cidade. Mas “ai!” de quem o chamasse pelo apelido. Era bronca na certa. Investia contra quem assim o tratasse. Ultimamente, munira-se de um canivete de ponta fina, ameaçador.
Alaor Dias, por outro lado, era alto por demais. Por isso, merecera o epíteto de Espanador da Lua, ao qual atendia, sem se aborrecer nem um pouco. Com o passar do tempo, ficou sendo conhecido simplesmente como Alaor Espanador. Ele mesmo fazia graça com seu apelido.
Alaor Espanador e Adão Pescocim eram inimigos de longa data. A última vez em que trocaram desaforos e quase chegaram às vias de fato tinha sido na quermesse de São Calixto, padroeiro da cidade. Alaor e Adão se encontraram sem querer e Espanador perguntou a Pescocim:
— Cê sabe porque todo baixinho é nervoso, Pescocim?
E quando pescocim avançou pra cima de Espanador, a turma do “deixa disso” interveio, não sem antes ouvir a resposta, dada pelo vara-pau:
— O baixinho é nervoso porque tem o coração perto do cu!
De outra feita, Espanador perguntou aos amigos, reunidos numa mesa do bar do Ino, em voz alta para que fosse ouvido por Pescocim, do outro lado, encostado numa cadeira:
— Sabem porque todo baixinho é mentiroso? — E sem esperar resposta, foi explicando: — É porque a mentira tem pernas curtas.
Lá veio o Pescocim correndo, saltando sobre a mesa, na tentativa de alcançar o pescoço de Alaor Espanador.
Meses mais tarde, os espíritos serenados. Alaor Espanador falou com os amigos de bar:
— Aposto como chamo o Adão de “Pescocim”, assim na cara.
— Cê tá louco, Espanador? Ele te mata. — Um falou.
— O Pescocim anda com um punhal no cós da calça. Num brinca com ele não. — outro avisou.
— Aposto quanto quiserem. E falo com ele agora mesmo, ali no balcão. Chamo ele três vezes de Pescocim.
Por farra e por desafio, a aposta foi feita: uma caixa de cerveja foi o lance dos amigos para verem a confusão que se seguiria.
Espanador, como quem não quer nada, se aproximou de Adão, encostando-se no balcão, ao lado do baixinho, sentado num tamborete alto.
— E aí, Adão, como vai a pescaria?
— Sai pra lá, chato. Não lhe conheço. — O baixinho não queria conversa com o inimigo.
— Outro dia te vi pescando na Lagoinha. Cê tava com sorte.
— Cê sabe muito bem que não gosto de pescar.
— Ora, sô! Eu até que admirei sua perícia. Cê pescou uma traíra deste tamanho — E abriu os braços, indicando o tamanho do peixe.
Os companheiros apostadores acompanham com interesse o diálogo.
— Deixa de lero-lero, Espanador. Não quero conversa com você.
— Ora, Adão, porque esconder? Eu vi. Você pescou, sim. Pescou sim, Adão. Deste tamanho.
E repetiu três vezes, em voz alta, confirmando a proeza do baixinho:
— Pescô sim! Pescô sim! Pescô sim!
ANTONIO ROQUE GOBBO –
Belo Horizonte, 2 de janeiro de 2007 –
Conto # 417 da Série Milistórias