412-FÉRIAS NO PARAISO- Filme em Tecnicolor

Novembro de 1945. Após quatro meses de reformas, aconteceu o dia da inauguração do novo Cine São Sebastião. O proprietário relutara muito em fazer a reforma, principalmente pela paralisação das sessões durante aqueles meses. Mas os sinais de decrepitude eram evidentes por toda parte, desde as goteiras até as poltronas que rangiam e algumas quebradas.

Durante a semana que precedeu a exibição de gala, foram distribuídos centenas de programas, pequenos boletins que anunciavam o filme, com título, pequeno resumo da enredo, os artistas principais e a marca do estúdio que produzira a película. Todas as tardes, o Biriré passava distribuindo de porta em porta os tais programas.

O padre já havia advertido aos fiéis que o filme era impróprio, nada tinha de exemplar, antes pelo contrário, e que as famílias não deveriam assistí-lo, essas coisas de sermão religioso. Apesar disso, a assistência que lotou a casa naquela noite era a mesma que assistira a missa das nove da manhã na igreja matriz.

— Não tem nada a ver. Cinema é cinema, missa é missa. — Altamiro Gomes, intelectual conhecido por sua independência de pensamento, refutava a proibição do padre.

Chegou o domingo da grande sessão. Uma pequena multidão aglomerou-se bem antes da hora em que a bilheteria se abriria para a venda de ingressos. As pessoas não estavam acostumadas, naquela época, a se organizarem em fila, a qual, aliás, era tida como algo vergonhoso.

— Imagina, o Carlinhos entrar na fila para o cinema! Que humilhação.

O filme será reprisado na segunda-feira, mas a freqüência será pequena, todos preferem a sessão de domingo, cuja lotação fica esgotada. Pessoas que não conseguem lugar permanecem de pé, ao longo dos corredores laterais.

Havia a “reserva de lugar”, isto é, namorados e namoradas reservavam lugares para seus pares, que chegavam após o início da sessão, as luzes já apagadas, a fim de despistarem pais vigilantes. O que dava ensejo a muita confusão. Naquela sessão histórica, aconteceu de um senhor ver a poltrona vazia, adentra-se pela fileira e ao chegar, é avisado por uma jovem que “este lugar esta reservado”. O cinema está cheio, não há mais poltronas vagas e o homem assenta-se sem ouvir o aviso da moça. Quando o “dono” da poltrona chega, há um bate-boca, os vizinhos reclamam. Por fim, o senhor abandona a poltrona, ocupada então pelo namorado, a quem a poltrona estava reservada.

Pela primeira vez um filme colorido era exibido no cine local, e para tanto, o proprietário, sr. Eichemberg, teve de adquirir um novo projetor. As poltronas foram substituídas. Agora são almofadadas, macias e dobráveis. O sistema de iluminação é melhorado, e o som apresentava a novidade da “Alta Fidelidade”, ou Hi-Fi para os entendidos e esnobes.

As musicas eram variads, sempre porquestradas, e havia a quela do “prefixo”, que só era tocada antges das luzes se apagarem enquanto a cortina abria para ver elar a imensa tela: Love is a many explendored Thing, executada pela orquestra de David Rose. Um toque de classe a mais.

A sessão foi mesmo muito especial. Começou com dois traillers dos próximo filmes, um com Bárbara Stanwick, outro com John Wayne. Seguiram-se “Notícias da Tela”, jornal de cinema com notícias e cenas dos eventos mundiais. Depois, um desenho animado do Mickey e, finalmente, o filme. As cores explodiam na tela no sistema “Tecnicolor” e a assistência se extasiava com as imagens e com os sons da plangente música dos mares do sul.

Era a película “Férias no Paraíso”.Tinha como artistas principais Bob Hope e Dorothy Lamour. Ele, careca muito falastrão, no papel de um americano em férias no Havaí. Ela, uma nativa, morena que freqüentava as praias com a mesma desenvoltura que andava pela mata tropical. O sarong, veste típica das ilhas, era uma espécie de saída de praia, amarrada sobre os seios e que descia até às canelas, deixando entrever um bom pedaço das morenas coxas. A star, bem dotada, despertava suspiros, pois o sarong ao mesmo tempo em que cobria o corpo de alto a baixo, deixava entrever os grandes seios, delineava a cintura fina, de vez em quando um naco das pernas. Bob Hope se esforçava para parecer engraçado, mas as piadas, próprias para a platéia ianque, eram sem sal e sem graça, muitas vezes nem eram entendidas pelos assistentes da pequena cidade

A sessão foi variada. Mas o filme foi medíocre, mesmo para a assistência que atendia mais aos apelos do fato da re-abertura do cinema do que para a qualidade do filme. Ao terminar a exibição, os freqüentadores saem sem entusiasmo: o Tecnicolor não impressionou o suficiente e as piadas fracas de Bob Hope não caíram no agrado do público.

É perto das dez da noite. Dois bares na praça aguardam de portas abertas apenas uns poucos gatos-pingados que passam para um cafezinho de fim-de-noite.

ANTÔNIO GOBBO

Belo Horizonte, 28 de novembro de 2006

Conto # 412 da série Milistórias

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 20/09/2014
Reeditado em 20/09/2014
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