A FLOR DE MAIO NA BOCA DO POÇO
A FLOR DE MAIO NA BOCA DO POÇO
Jair Martins
Transcorria o ano de 1945, fim da segunda guerra mundial. Nos Estados Unidos da América, na cidade de Chicago, a terceira maior daquele país, influente no cenário mundial, dada ao seu forte pólo comercial, industrial, rodoviário e portuário, uma família de simples camponeses achava-se longe de seus familiares, dada a situação da guerra. Com o término deste conflito sanguinário, todos queriam saber e ver os parentes. Infelizmente para alguns essa expectativa não mais fazia sentido, devido à ceifa da morte.
O dia era um destes do mês de maio, em que as folhas aplaudem o cantar do vento em sinfonia com os pássaros. Rita estava muito feliz, seus sogros iriam passar uma semana em sua casa. O marido Leopoldo tinha saído para fazer as compras de reabastecimento à dispensa. Ele estava ansioso, iria rever seus pais depois de uma grande temporada. Neste cenário, uma menina por nome Gabriela, de apenas oito anos de idade, graciosa, de olhar expressivo e firme, que faz a leitura das coisas sem muito esforço de raciocínio, filha mais nova do casal, que tinham mais quatro filhos; Maristela, Ricardo, Marília e Giovanni, ela era muito astuciosa e inteligente, o mimo da família.
Iniciava-se à tarde daquele dia de uma quinta-feira.
No aguardo da achegada dos avós, a pequena Gabriela, passeava pelo jardim, quando ouviu o coxear forte de uma rã vindo de um poço existente no terreno, lá nos fundos da casa. Com suas longas tranças ruivas e antena no olhar, aproximou-se do poço. A menina tinha paixão por animais, garantindo para o futuro ser uma excelente veterinária. Ao chegar mais perto de onde vinha o coxear, houve silencio. Intrigada, Gabriela aproximou-se ainda mais e viu uma pequenina flor de cor anil, brotada na beira daquele poço. Encantada com a beleza e textura da flor, inclina-se para tocá-la, quando vê seu irmão Giovanni correndo em sua direção, ofegante, dizendo que seus avós chegara. Por instantes, Gabriela esquece essa sua descoberta e corre pra casa. Beija a vovó Dulce e o vovô Claudio que a abraça apreciando sua beleza e crescimento. A casa respira felicidade.
A noite chega. No céu, a luz branca da lua, compartilha com a família o fulgor que tem o doce lar. No habitual compromisso diário das dezoito horas, todos sentados a mesa para o jantar, Leopoldo ergue sua voz em agradecimento a Deus pela provisão e pela amada família estar junta na comunhão da companhia de seus pais. Ao término da oração, a concordância em coro do amém, faz com que risos soltos se espalhem ao redor da mesa no prazer do degustar. Elogios a Rita são em efervescência, que agradece insistindo repetirem o jantar. Terminado essa hora sagrada, dispersam-se os adultos até a sala de estar para uma conversa informal, e as crianças seguem para o terraço com as brincadeiras da amarelinha e do passar do anel. Gabriela ouve novamente o forte coxear da rã, e lembra-se da tenra e bela flor a beira do poço. Mais já é muito tarde, e ela espera amanhecer para satisfazer a sua curiosidade.
Chega o raiar do novo dia, a luz dourada aquece a terra e as folhas aplaudem o cantar do vento em sinfonia com os pássaros. No pasto as ovelhas e bois se espreguiçam num bom dia a natureza. No quarto onde dorme Gabriela, um raio de luz entra sobre as frestas do telhado e a acorda. O despertar lhe reserva ansiedade. Ao se preparar para o café da manhã, Giovanni seu irmão, lhe indaga: - O que você estava mesmo fazendo lá perto do poço? O pai já avisou que não nos quer lá. Gabriela responde: - Estava à procura de uma rã e achei uma florzinha azul que me chamou atenção pela sua beleza e magia. Ela está plantada bem ao lado da boca do poço. Quis pegá-la, mais você me chamou e eu a deixei. Vou agora mesmo vê-la. Vamos comigo?
Os dois ao acabo de tomarem o café matinal, saíram juntos em direção ao poço. Mais, qual foi à surpresa de Gabriela, a flor não mais se encontrava lá. Giovanni lhe replica: - Não sei por que essa sua preocupação com essa flor. E os dois retornam pra casa.
Durante todo aquele dia, Gabriela se mostrou pensativa.
Na manhã seguinte, seus pais, seus avós e seus irmãos foram dar uma volta no sítio, conhecer as novas plantações e criações. Gabriela seguia pulando a frente como uma cabritinha. Lá adiante ouviu novamente o coxear forte de uma rã. Correu em busca de achá-la, e de novo confronta-se com a florzinha cor de anil na beira da estrada. Na sua fantasia ela parece lhe sorri. Desta vez Gabriela fica um tanto assustada, mais não revela a ninguém o acontecimento.
De volta do passeio, vovô Claudio, senta na cadeira de balanço do terraço, e leva seu olhar para longe, além da porteira do sítio e faz o seguinte comentário: - Recordei o tempo em que o cair da tarde, reservava para nós crianças da época, o prazer de contemplar o azul do céu e contar as estrelas. Quando víamos uma mais brilhante, fazíamos um pedido (ri com saudade), que sempre era atendido. Certa vez pedi para que a bola do meu colega furasse, porque eu não tinha uma bola. Essa minha atitude egoísta, me ensinou ao longo do tempo, que a insatisfação pelo bem alheio, é a semente que germina a incapacidade, a perda da visão de poder conquistar o desejado. Dito isto acrescentou... Eu não procurei ter a visão de poder possuir uma bola somente minha, como também, dispersei os colegas com essa inveja. Perdi o encontro com o passado, porque tais colegas não mais os vi. Hoje, olhando o retrospectivo, fui um perdedor por pensar somente em mim, chegando a uma conclusão de que a felicidade somente é completa quando partilhada. Após viver esses anos de guerra, as estrelas desse céu azul de minha infância, foram substituídas por aviões que reluz prata, rasgando esse céu em busca da destruição, atendendo aos pedidos egoístas. E assim completo minha lição na vida - Não é o brilho que traduz excelência, mais o meio pelo qual é conduzido. A guerra é uma atitude fútil. A família a escutá-lo em silêncio aprende com suas experiências. Vovó Dulce quebra a melancolia de vovó Cláudio, trazendo sua medicação costumeira.
Chegando a noite, hora de dormir, vovó Dulce senta-se a cabeceira da cama de Gabriela, chama todos os netos, e inicia uma série de historinhas que contava para o seu pai, tios e tias, quando crianças. Em uma dessas, é mencionada uma florzinha azul que sempre aparecia quando uma rã fortemente coxeava. Ao ouvir tal afirmação, Gabriela aguçou os ouvidos, e sua vovó continuou: - Acredita-se que cada mês do calendário, tem como referencial uma flor. Acontece que somente o mês de maio, simbolizado por uma flor azul, é que surpreende a sensibilidade de alguns com a aparição dessa encantadora flor, e que somente aparece às pessoas de convivência íntima com a natureza. Essas pessoas, diz a lenda, que recebem o aviso através do coxear de uma rã, e seguem esse coxear, mais não existe rã, e sim uma flor azul, que é vista por ela e pelos que com ela estiverem. Essa materialização acontece em virtude da bondade de quem a viu. Mais não é somente isso, a flor azul traz a mensagem da prosperidade para o local onde está situada. Ouvindo toda essa história, Gabriela ficou interrogativa ao tempo que confusa e amedrontada.
Chegado o dia de retorno de seus avós a capital, com uma despedida para um breve reencontro, Gabriela chegou perto da sua avó e perguntou: -Vó, a florzinha azul da historinha que a senhora contou, ela existe mesmo? A vovò sorriu e respondeu: - Claro que existe, ela é à flor da bondade. Gabriela beijou sua avó dizendo-lhe: - Eu vi a flor azul. Sua avó responde: - Eu sei que você viu!
Passaram-se alguns dias, seus irmãos, Maristela, Ricardo e Marília, foram com seu pai Leopoldo até a capital para algumas compras pessoais, e sua mãe Rita ficou com ela e seu irmão Giovanni. Lá para as tantas do dia, ouvem-se palmas no portão, sua mãe sai para atender quando o senhor Luiz, o vizinho, lhe traz a notícia de que do poço está saindo muitas abelhas e que estas, estão tomando proporções grandes em volta da boca do poço. Rita achou estranho e saiu pra ver. Chegando ao local constatou aquele episódio e por instantes ficou a apreciar como que hipnotizada. A voz de Gabriela lhe tira do transe ao perguntar: - O que é isso mamãe? Por que as abelhas estão em alvoroço? E Rita responde: - Creio filha que exista alguma coisa dentro desse poço que as fazem zoar assim, talvez quem saiba o doce néctar de uma flor. Gabriela se lembra da flor azul que viu junto ao poço, mais que estranhamente desapareceu. E diz: - Alguns dias atrás eu vi uma flor pequenina aqui junto ao poço, será que agora ela nasceu dentro do poço? Sua mãe responde: - Claro que pode ter nascido dentro do poço filha, lá é farto de água e água simboliza vida abundante. De repente inúmeras dessas florzinhas devam estar ai dentro colaborando com mel para as abelhas. E o diálogo de Gabriela continua:
- Mamãe a vovó disse que a florzinha azul que nasce no mês de maio, simboliza bondade, e que não são todas as pessoas que a vêm, porém quem a vê, estando acompanhado de alguém, este também vê. Quando eu vi a florzinha azul eu estava só.
Rita abraça Gabriela, beija-lhe o rosto e diz: - Filhinha, não se impressione com as historinhas contadas para chamar o sono, muitas delas não são verdades. E Gabriela foi enfática: - A vovò disse que é verdade, e eu acredito na vovó. Rita exclama: - Tudo bem querida! A florzinha azul é toda sua.
O senhor Luiz por sua vez diz ter apreciado essa acontecimento quando ainda criança, com seus onze anos. Ele dirige-se para Gabriela e afirma: - É verdade, a florzinha azul existe. Esse fenômeno se assim podemos chamar, ele acontece misteriosamente.
Deixando as abelhas trabalharem. os três voltam para casa ainda intrigados com o assunto.
Leopoldo retorna da capital junto com os filhos e fica sabendo do ocorrido, o qual o deixa saudoso de sua infância. Ele pega Gabriela, coloca-a no colo e diz: - Filhinha o papai também já viu essa florzinha azul. Sabe quando? Quando tinha a sua idade. Ela me apareceu na campina quando empinava minha pipa, e foi desse jeitinho que você está me contando; o coxear de uma rã me chamou atenção e eu corri para o lugar de onde vinha o som , foi quando encontrei a florzinha azul que muito me chamou atenção e ela desapareceu, ficando apenas na lembrança que me faz sentir muita paz. Dito isto, Gabriela voltou-se para seus irmãos mais velhos, Maristela, Ricardo e Marília e perguntou: - Vocês também já viram essa florzinha azul? Ricardo diz que sim, e que ela também desapareceu. Por vergonha de ser considerado um bobo, não contou a ninguém. Maristela por sua vez diz que nunca viu a florzinha e que esse assunto é muito sem graça. Já Marília, fala que nunca viu a florzinha, mais acredita em Gabriela e com a confissão de seu pai, ela também gostaria de vê-la. Geovanni exclama convicto: - um dia eu vou vê-la também. E Maristela retruca com perguntas: - Por que somente as crianças a vêem? Existe uma faixa propícia para esta visão? Ao que Rita responde: - Sim filha, existe a faixa etária infantil nivelada à pureza. Essas crianças são canais onde a projeção transcendental ou extra-sensitível tem acesso pelo imaculado de suas mentes. Elas vivem descobrindo, são usadas para transmitir, captar em aparentes ilusões óticas, mensagens visionárias, algo como visão missionária que falam das verdades que não queremos admiti-las, como tipo a florzinha azul que somente aparece no mês de maio e que encanta e inspira bondade e paz. Se a maioria das pessoas não a ver, é porque a visão dessas pessoas está inclinada para si mesma, não se deixam compartilhar com o que está ao seu redor; a grande mãe natureza. A florzinha azul do mês de maio sempre esteve lá, as pessoas é que não quiseram vê-la. E mais uma perguntinha surge: - Porque o mês de maio é o único mês que apresenta sua flor? Rita sem titubear responde: - Por ser o mês da graça, ou seja, aquele mês em que o clima da terra é mais úmido e mais fértil, as flores brotam em abundancia, por isso conhecido como o mês das flores e também por que é o mês considerado pelos religiosos, o mês da consagração de Maria, mãe de Jesus Cristo. Talvez por todos esses atributos, o mês de maio tenha como dever de mostrar sua florzinha azul tão especial. Maristela retira-se considerando o que sua mãe falou.
Alguns dias se passaram findando o mês de maio.
É chegado o mês de junho, com seus dias frios. No sítio tudo corria e bem. Certo dia o senhor Leopoldo observou com mais atenção, que as abelhas que saíram do poço, proliferaram muito e estas fizeram suas colméias nas copas das árvores e que o derrame de mel estava interessante, fazendo-o pensar em destilá-lo e comercializá-lo. Levou a idéia para sua esposa Rita que de pronto concordou. Iniciado o processo de extração do mel por meios manuais, Leopoldo iniciou a divulgação junto à vizinhança. Rita muito habilidosa cuidava de preparar os potes que armazenariam o puro mel. Gabriela a tudo assistia e ajudava na entrega dos pedidos. Cada pessoa que provava do mel, dizia ter ele o sabor das violetas. Bem sucedido e muito satisfeito com o progresso da venda do mel, senhor Leopoldo comenta em casa sobre o estranho acontecido no mês anterior, da florzinha azul na beira do poço, e lembra com exatidão do que falou sua mãe, quanto à lenda, de que a florzinha deixa para o lugar em que foi vista, a prosperidade e a serenidade. Comprovada a verdade da lenda, Gabriela escreveu para sua avó Dulce, contando sobre o mel que derrama em abundancia no sítio, ao que sua avó responde: - Filha minha, não ignore as visões quando estas se repetem. Elas são guias.
Passado seis meses, o mês de dezembro chega com suas luzes. É Natal! Dona Dulce e o senhor Cláudio, retornam ao sítio para a noite de natal em família. Desta feita não mais assediados pelo clima da guerra, e sim pela confraternização do amor, comemoração do nascimento do filho de Deus, Gabriela chega perto de dona Dulce e lhe faz saber que está escrevendo a historinha da florzinha azul, mais precisa saber por que ela nasceu na beira do poço, e sua avó Dulce conclui: - O poço é uma concentração de lodo que representa fortalecimento devido às camadas calcárias criadas. O poço também representa profundidade, base de refúgio, e no mais, reservatório de água que é vida, continuidade da natureza. Dito isto, Gabriela afirmou: 0brigada vovó, conclui minha história.
Recife, 28 de novembro de 2010 – 03h17