PEDRAS DA JUSTIÇA - SEGUNDA PARTE - FINAL

O apedrejamento era uma forma desumana e cruel de se fazer justiça entre o povo daquele lugar. Tinha sido instituída desde os tempos de Moisés e vigora ainda nestes dias. Entretanto, naqueles dias, eram raras as execuções por causa de adultério. Ademais, várias perguntas ecoavam pelo ar sem achar resposta: porque o parceiro e cúmplice do odioso crime, não viera junto? Porque somente a ela caía a culpa pelo pecado que ambos cometeram? E principalmente, porque a estavam acusando de adultério se ela já não era mais casada?

Mas ninguém se importava com esses detalhes insignificantes. Quem se importaria com a morte de uma reles prostituta? Ninguém sequer reclamaria seu cadáver encoberto pelas pedras, com fraturas expostas por todos os lados. O desespero tomou conta do seu ser quando viu no lugar escabroso, rastos de sangue coagulado da ultima vítima sobre as “pedras da justiça”. Seu corpo todo estremecia. O medo da morte lhe atormentava a alma. Se Deus lhe desse mais uma chance, a última que fosse... se Jeová lhe tivesse misericórdia tão somente essa vez... Nunca mais na vida se deitaria com um homem. Nunca mais... Tivesse ou não dinheiro, nenhum homem na terra possuiria novamente seu corpo. Por causa deles sua morte seria consumada. Por causa deles sua vida fora até ali, angústia e sofrimento sem fim. Para satisfazer seus instintos, saciar-lhes os desejos sujos em troca de alguns míseros denários, mergulhara naquele mundo maldito. Estava prestes a pagar com a própria vida por ter se sujeitado a tanto.

***

Apesar do alvoroço que se formara com a chegada tumultuada da condenada, o sombrio amigo de Lázaro permanecia absorto, fazendo rascunhos no chão. Mesmo quando exigiram sua atenção ele nem sequer ergueu os olhos aos seus interlocutores. Para ele parecia que rabiscar o chão era algo de superior importância. O nervosismo e a ansiedade tomavam conta de todos, mas não dele. Para tirar-lhe daquela aparente distração, tomaram-na pelos braços e a lançaram aos seus pés. Seu rosto sereno voltou-se para a mulher cuja nudez estava quase que totalmente exposta devida a forma como fora conduzida até ali pelos brutamontes. Ele gentilmente a ajudou a sentar-se. Acariciou-lhe o rosto ensanguentado. Ela sentiu um súbito alívio de suas dores. Já não sentia tanto medo da morte como antes. Ela olhou para ele. O viu voltar-se para os seus acusadores. Poderia um homem de aparência tão frágil evitar que aqueles estúpidos, boçais a matassem? Ela apurou os ouvidos para ouvir o que falavam. Viu quando o líder da súcia se aproximou e disse-lhe ardilosamente: “mestre, essa mulher foi pega em flagrante adultério. A lei diz que ela deve ser apedrejada. E tu, que dizes a respeito?”. Ao ouvir tais palavras Maria Madalena (esse era o seu nome, como o caro leitor já deve ter percebido), a desprezível prostituta compreendeu que ela não era o alvo principal daquele circo de horrores. O homem a quem Ananias chamava de mestre, era o propósito de seus infortúnios. Sua morte serviria de desculpa para desmascarar aquele que eles consideravam um falso profeta enganador dos povos, que vinha desde a Galileia espalhando ideias subversivas e arrastando multidões atrás de si. Seu suplício e o fim da sua vida não teriam nenhum outro propósito.

***

O Nazareno mantinha uma calma tão incomum que a princípio irritou ainda mais os exaltados, mas, logo os obrigou a dispensar a ansiedade. Agora todos podiam ouvir claramente o que o misterioso homem de Nazaré tinha a dizer. Ele, entretanto, certificou-se que todos os ouviriam e em resposta as palavras de Ananias, respondeu serenamente tomando de uma pedra no chão: Aquele dentre vós que não tiver pecados, atire-lhe a primeira pedra.

Maria madalena fechou os olhos e aguardou o surdo choque da pedra atingindo-lhe em cheio a cabeça. Ela ouvira dizer que quando a pedra atinge a cabeça, as chances de morte imediata são maiores. Ela torcia por esse golpe de misericórdia. Ainda de olhos espremidos entre as pálpebras, ouviu o baque seco de uma pedra caindo ao chão, seguida de outra e mais outra. As lágrimas escorriam copiosas de seu rosto lívido. Não compreendia, mas tinha a incrível sensação de que estava salva, que o Senhor atendera-lhe a oração. Antes de agradecer aos Céus pela misericórdia abriu devagarzinho os olhos, olhou em volta procurando reconhecer os rostos raivosos dos seus verdugos. Não havia mais nenhum deles em derredor. Só uma mão de dedos delgados lhe estava sendo estendida. Ela olhou nos olhos do seu salvador. Pegou sua mão e levantou-se sendo por ele amparada. Ele perguntou se ela estava bem, se tinha condições de caminhar sozinha ela disse que sim. E perguntou-lhe ainda de modo misterioso: “mulher, estás vendo algum de teus acusadores?” ela olhou novamente em volta e disse: “não, senhor”. “Nem eu também tenho de que lhe acusar” e completou: “Vais em paz, mas cuidado! Não tornes mais a fazer essas coisas”. Ela se despediu chorando amiúde.

Então, o Nazareno virou-se pros seus companheiros de olhares perplexos e disse: Que estão fazendo aqui fora, amigos? Vamos entrar não ouviram Lázaro nos chamando para o desjejum?

FIM

al morris
Enviado por al morris em 17/09/2014
Código do texto: T4965639
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