PEDRAS DA JUSTIÇA - PRIMEIRA PARTE

Era quase manhã quando Zelias adentrou os aposentos da rameira. Não se deu conta de que havia alguns homens à espreita da miserável tenda, alcova fétida onde a difamada meretriz recebia seus clientes. Zelias já era um dos seus mais contumazes.

Os dois amantes estavam no prelúdio das suas paixões animalescas, quando uma turba possessa invade o aposento rosnando terríveis ameaças. O homem, no auge do assombro, busca alucinadamente por suas vestes. Na confusão atirasse ao chão cobrindo com as mãos a cabeça calva. Espera a chegada da morte iminente. “Quem eram aqueles homens? De onde teriam saído? Tantas vezes visitara a prostituta e agora isso? Teria ela lhe armado um maldito ardil?” Todos estes pensamentos assaltaram Zelias que mantinha os olhos fechados e clamava no intimo da alma a Jeová que lhe pudesse acolher junto a Abraão, Isaac e Israel. “Maldita rameira. Porque se deixara seduzir por seus encantos? Caíra vítima de uma arapuca por não saber refrear seus impulsos carnais. Mas, porque não acabam logo com isso de uma vez?”

Aos poucos Zelias recupera o sangue frio. Aguça os ouvidos. E o que ouve são indecifráveis impropérios dirigidos à mulher. E os socos e pontapés que ele aguardava lhe fossem desferidos, eram a ela direcionados. Ao perceber que o bando estava ocupado demais agredindo brutalmente a prostituta, aproveitou a oportunidade, tomou das roupas e do alforje e fugiu ainda despido; se perdeu em meio à multidão de tendas e barracos sob o olhar curioso dos transeuntes.

Neste ínterim, a mulher flagrada nas funções das suas habilidades amorosas, estava sendo espancada. Batiam-lhe no rosto, chutavam-lhe as costas nuas, esmurravam-lhe a barriga. Alguns dos agressores abusavam da sua vulnerabilidade e a bolinavam. Um deles, mais excitado e cruel que os demais, tentou estupra-la ali mesmo. Não fosse a intervenção de Ananias o líder da súcia insana, teriam dado cabo de sua vida da forma mais hedionda e covarde. Mas não foram as súplicas e pedidos de misericórdia dela que o fez deter a truculência de seus sequazes. Na verdade, Ananias tinha outros planos para a mulher.

Não tão distante de onde se desenrolavam os acontecimentos que acabamos de narrar, um homem que havia tempos andava tumultuando as localidades circunvizinhas pousava junto com seus companheiros ao redor do pequeno vilarejo. Estava parado próximo a um barranco cheio de pedras. Os seus companheiros o chamavam para o desjejum na casa de Lázaro, um velho amigo. Mas aquele se mantinha do lado de fora com um olhar contemplativo como quem espera por algum acontecimento extraordinário. Olhava para o alto. As brancas nuvens que pontilhavam o fundo azul enegreciam rapidamente tornando escura a manhã de sol radiante. A despeito da insistência dos amigos e do tempo que principiara fechar, o homem sentou-se ali fora e distraidamente, pôs o indicador sobre o pó da terra e começou a formar uma sequência de desenhos aparentemente sem sentido. Seus companheiros de caminhada, habituados às esquisitices do amigo e mentor decidiram fazer-lhe companhia. “quem sabe quando a chuva cair ele resolve entrar de vez” disse um deles. Todos concordaram.

Não houve sequer tempo para que se assentassem nalguma pedra ao lado do excêntrico amigo, quando ouviram ao longe os gritos apavorantes do bando que trazia a mulher de que outrora falávamos, cujas desventuras anunciavam um trágico desfecho. Seu rosto lívido e ensanguentado denunciava o medo da morte que se aproximava. Em seus pensamentos ela atribuía seus infortúnios a maldição que um fariseu lhe rogara. “Maldita és tu, vadia” dissera ele aos berros “pois arruínas as casas com teu comportamento promíscuo; contaminas a terra com tuas imundícies e envergonhas o nosso povo. Jeová te condena. Por que assim diz a Torá: ‘não adulterarás’ tu, porém pervertes os caminhos do Senhor e não te arrependes. Maldita, mil vezes maldita!” Ela agora sentia o peso daquelas palavras, proferidas pelo próprio pai. O terror da morte iminente a fez tremer sob os braços rudes dos homens que a arrastavam. Calafrios convulsionavam seu corpo frágil e cheio de hematomas. Num esforço sobre-humano para manter a sobriedade ergueu o olhar suplicante ao céu cinzento. Pensou em toda a sua vida. Rogou a Deus. Implorou por Sua misericórdia. Mas tudo que via era a ira de Jeová se derramando sobre ela da forma mais implacável. Quantas vezes tivera oportunidade de abandonar aquela vida? Quantas vezes fora abordada por homens e mulheres de boa índole, cheios de misericórdia e sinceros de coração e ela os rejeitou!... Dizia nestas ocasiões que muitos eram os religiosos e “santos” que a vinham visitar quando já a noite ia alta e a escuridão caia do céu sobre a terra e sobre os corações dos hipócritas. No dia seguinte, aqueles mesmos que a tinham possuído com intensa paixão durante as longas horas da madrugada, agora, dia claro, a repeliam e vituperavam e lhes rogavam terríveis pragas. Para ela não havia esperança em homem algum. Todos os homens eram imprestáveis, infiéis miseráveis. A prova estava na atitude dos monstros que ora a arrastavam como um trapo velho pelas ruas daquele lugarejo miserável. Sabia que para si não havia esperança alguma. Seu olhar turvo via o local da sua morte. Uma pedreira abandonada que se convertera em lugar de execução de todo tipo de crime. As pesadas pedras brancas eram as armas usadas para cumprimento da pena capital.

al morris
Enviado por al morris em 17/09/2014
Reeditado em 17/09/2014
Código do texto: T4965277
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