Piscadelas de Darci
Do eletricista Darci a mais duradoura lembrança que me vem é a daquelas rápidas e intermitentes piscadelas que mal permitiam ao interlocutor afirmar se eram verdes ou castanhos os seus olhos. E não impediam contudo que o dono daquelas írises indefinidas fosse um homem de visão, de prudência e de cristalina honestidade.
Maria, a mulher com quem fora casado uns trinta anos, poderia quiçá achar que aquele mesmo intenso piscar que lhe conquistara o coração poderia, agora com o Darci à janela, estar sendo assestado noutras direções, noutros corações. Afinal, aquele beco dos Canudos, onde viviam, era de muito trânsito. Mas a Maria bem sabia que a vida não era só o piscar. Era o labutar que bem fazia, e em ajudá-la o Darci se comprazia, e ao fim e ao cabo, tudo bem se conduzia.
E mais da vida, Maria ainda sabia: cantar. Soltava a voz, se não feito um rouxinol, chegava pelo menos à beira dum papa capim de coleira. E entre o terno piscar e o eterno cantar, foram criandos os filhos, juntando seus teréns, mesmo que valessem vinténs.
Até que um dia, foi-se Maria. O coração. E a paixão. Esposo dedicado, Darci não se fez de rogado. Cumpriu o doloroso dever de enterrar a companheira, e de só, sozinho, sentir a dor verdadeira. Que os
filhos insistiam em partilhar, mas urgia o pesado fardo carregar.
E passado o luto, não se passou a luta. Até que dali da janela, entre muitas e tantas piscadelas, o viúvo Darci deu a mirada certeira, achando nova e fiel companheira. Curtiram bons anos já no crespúsculo de vida sessentona e mais além. Piscadelas como convém, sem as canções, porém.
Até que, num passeio de automóvel, conduzido pelo enteado, Darci não
pode escapar da emboscada num trevo fatal. Num piscar de olhos.