ATÉ A COR É CIRCUNSTANCIAL


Sou uma pomba migratória. Todas minhas irmãs são brancas como nuvens e só eu tenho penas escuras. Me sinto descriminada por esse fato. Os humanos só elogiam minhas irmãs pela cor de suas penas.
O inverno se aproxima e iniciamos nossa migração para lugares com a temperatura mais amena. Optamos em voar para o Canadá. Durante nossa viagem, minha mana cansou e precisou descer numa ilha. Eu fiquei com ela para fazer-lhe companhia. Descemos numa lavoura de arroz e lá encontramos duas casinhas feitas de tronquinhos. Dentro havia muitos grãos, prontinhos para uma deliciosa refeição. Eu entrei numa e minha companheira na outra. O resultado foi ficarmos presas nas arapucas. Imediatamente um homem se aproxima de nós e olhando a minha prisão, falou:
- Essa aqui não me interessa, é escura. ”Que se vá”!
Se dirigiu para a outra e balbuciou:
- Ah! Essa sim, é linda, branquinha como a neve. Vou ganhar um bom dinheiro por ela.
Eu que a tudo escutava,depois de estar solta e pousada no topo da árvore, tive uma ideia. Enquanto ele segurava a pombinha em sua mão e caminhava pelo trilho, fui até uma cachopa de marimbondo e piquei.
Os bichinhos saem em disparada e picam o homem. Esse sai correndo e deixa a ave voar.
Conseguimos juntas nossa liberdade e voamos apressadas para juntar-nos ao nosso bando.
-“ Bem- te - vi."
Um pássaro canta próximo da janela do quarto de Sofia e ela acorda.
- Puxa que sonho estranho! Hoje fui uma pombinha escura. Esse sonho me ensinou que tudo é circunstancial, até mesmo a cor.

Lourdes Borges.