409-BURROS E BURRITOS- Em Viagem:Arizona
Walter Egon é um viajante que gosta de experimentar de tudo em suas andanças. Entusiasmo culinário que não era compartilhado, de modo nenhum, com a esposa Lucy.
Quando viajava pelo Arizona, ficou tentado a experimentar iscas de cascavel, anunciadas numa birosca mexicana, enfeitada tipicamente à porta com tranças de pimentas secas. No que foi impedido pela mulher. Agarrando-lhe o braço esquerdo, puxando-o de frente da porta do minúsculo bar, foi peremptória:
— Se você comer esse troço aí, nunca mais durmo com você.
Que argumento!
Já havia experimentado uma dezena de pratos mexicanos, todos muito temperados. A boca estava acostumada com o ardor das pimentas e dos molhos. Havia um prato, porém, que, passado mais de mês nas terras calientes do deserto de Sonora, onde estavam Sedona, Tucson e outras cidades do sul do Arizona, ainda faltava o tal de burro.
Walter ansiava por uma oportunidade de saborear um prato de burro. Pensava ser igual ao burrito, que já experimentara com prazer: uma espécie de sanduíche em que salada, feijões, e milho cozido eram servidos metidos em pequenas fatias de um pãozinho de fubá.
— Deve ser um burrito maior, com os mesmos ingredientes, pensou.
Aproximadamente a 60 quilômetros a nordeste de Tucson, existe uma estação de esqui no Mont Lemmon, a 2.915 metros de altitude. É impressionante a mudança do clima, pois lá em cima, mesmo no verão, o clima é ameno, os vales são verdes brilhantes, e as encostas dos morros são cobertas por pinheiros. Subir de carro pela estreita e íngreme rodovia é uma aventura. Era verão a ocasião em que Walter e Lucy visitaram aquele local, apenas para conhecer, pois a estação de esqui estava fechada. Andaram pela região, por trilhas entre as árvores, sombreadas e frescas. e na hora do almoço, com apetite despertado pelo exercício, foram ao pequeno restaurante mexicano.
— Oba! Até que enfim vou experimentar o tal de burro. — Exclamou Walter, ao examinar o cardápio.
— Cê tem certeza de que vai pedir realmente esse prato? Vai que é uma carne de jumento dura e mal feita. — O preconceito da esposa contra as novidades gastronômicas era notável.
Sem sequer indagar o garçom do que se tratava, o marido pediu um prato de burro, enquanto ela pediu um simples sanduíche.
Não demorou quase nada, e eis que o casal é servido. À frente de Walter é colocado um prato grande, fundo, lotado até as bordas de feijões inteiros, um angu de fubá ou farinha de milho cozida, arroz de um lado, dois ovos sobre o arroz, duas salsichas tostadas sobre o feijão. Algumas fatias de tomate cru, espalhadas aleatoriamente sobre feijão, o arroz, e os outros componentes, que boiavam em uma gordura amarela, escorrendo pelas bordas do prato. O conjunto elevava-se a uns quinze centímetros no centro do prato, um verdadeiro monte de comida de intensas cores variadas e aspecto não muito apetecível.
— Você tem certeza que vai comer isso aí? — perguntou Lucy, com os lábios apertados, numa expressão de asco.
Surpreso com a quantidade e o aspecto da comida no prato, Walter chama o garçom:
— Moço, es esto el burro?
— Perdón, señor?
— Yo ho demandado un plato de burro. Es esta comida acá?
— Si, por lo suposto, cabalero.
Lucy, que se deliciava com a situação e com o diálogo entre os dois, esperou o garçom se afastar para comentar:
— Pra mim, BURRO é quem pede um troço desse.
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ANTONIO GOBBO
Belo Horizonte, 28 de junho de 2006
Conto # 409 da série Milistórias