404-TUDO POR AMOR-Infidelidade Mtrimonial

E lá está o Zeca Xinfrônio no leito de morte, já sem querer, querendo trocar esta vida pela outra. O ronco é característico de quem está na guasca da Ceifadeira. Oitenta e cinco anos bem vividos, sessenta dos quais em companhia da devotada esposa Helena, que a ajudou a vida inteira, superando todas as dificuldades, principalmente nos momentos em que tudo parecia desmoronar. E Leninha sempre, sempre, ao seu lado, “tudo por amor”, como ela sempre dizia. .

Ainda consciente, vê a devotada mulher ajoelhando-se ao lado da cama. Num esforço supremo, Zeca abre os olhos, mira a mulher com um olhar opaco, e diz baixinho:

— Leninha, me diga uma coisa. Me esclarece uma dúvida que há muito tempo vem cumigo. Cê promete responder ?

— Pode falar, meu velho. Prometo que lhe respondo, sim.

— É que tenho uma dúvida que me rói aqui na cabeça faz muito tempo. Me diz uma coisa: você já me traiu alguma vez?

— Ara, Zeca, pra que falar dessas coisas agora? Cê já tá indo, num se preocupe com isso não...

— Sabe, mulher, se eu num tirá essa dúvida, num vou morrer discansado. É até capaiz de eu vim amolar você, puxá seu pé quando ocê tiver dormindo. .

— Ara...Zeca...— Leninha titubeia, esfrega as mãos, aflita. Mas pensa: já que ele está mesmo na hora de morrer, não faz mal eu contar pra ele. —

— Sabe, Zeca, eu já te traí, sim, uma vez. Mas foi tudo por amor, porque eu te gosto muito. Cê lembra quando cê sofreu aquele acidente, ficou todo quebrado, a gente num tinha recurso nem pra leva ocê pro hospitau? Intão, apareceu o dotor Armandinho, que cuidou de ocê cum toda dedicação, ficou aquí ao seu lado o tempo todo. Até que, depois que ocê tava bão, sarado, ele nem quis cobrar nada. Cê lembra?

— Aí, sim, me lembro.

— Pois é...O dotor Armandinho...fui eu quem “arranjei” pra te cuidar. Mas foi tudo por amor. Cê me perdoa, Zeca?

— Ara, mulher, mais isso num tem importância. Se eu fiquei bão de novo, cê num tem curpa nenhuma. Eu te perdôo, sim.

As lágrimas descem pelo rosto de Leninha, cuja consciência foi despertada pelas lembranças — doces lembranças de um passado de muito amor.

— Mais tem outra vez que eu quero te contá. — Ela continua — Lembra daquela vez que cê ia muito mal nos seus negócios, tava quase falindo? Pois intão apareceu o Seu Maggi Ota, aquele italiano simpático que lhe imprestou o dinheiro, cê recuperou, e no final, ele nem quis cobrar a dívida.

— É mesmo, Leninha, foi um tempo danado de duro, aquele.

— Intão. O Seu Maggio Ota foi eu que “arranjei” pra te salvar da quebradeira. Mais, oia, Zeca, foi tudo por amor, viu?

— Ara, mas então, eu voltei de novo pro comércio. Cê num tem nada que se culpar por ter me traído com o Maggi Ota. Tá perdoada.

Leninha passa as mãos pela face, esconde o rosto, envergonhada. Suspira fundo e prossegue:

— Teve mais uma vez. Cê lembra quando cê se meteu na política, foi candidato a vereador?

— Ara, muié, se me lembro, Quase que ganhei a eleição.

— Pois é, Xinfrônio. Quanta trabalheira! Mas sempre fiz tudo por amor. Você teve 2.752 votos, cê lembra? Aqueles votos...me perdoa Zeca....foi tudo eu que “arranjei” pra ocê.

ANTÔNIO ROQUE GOBBO

Conto # 404, da Série Milistórias-

BH, 8 de junho de 2006

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 08/09/2014
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