Revolução Já!

(O dia da revolução estará próximo?)

Este foi o discurso de alguém, em alguma dessas esquinas de um grande país da América Latina, num dia em que o futebol, o samba e a cerveja fecharam olhos e ouvidos de um povo extasiado e esquecido do chão que pisa. Este alguém, de cima de um banco de praça, gritava assim:

REVOLUÇÃO JÁ!!!

“Povo meu, povo do Brasil:

Não podemos mais agüentar esta situação caótica sem fazermos nada, a não ser que queiramos...

Temos que fazer a Revolução! Revolução da cultura: não dá mais para agüentar tanta música ruim, queremos qualidade musical e poética, queremos livros e revistas de qualidade. Queremos Drummond de Andrade e Luiz Gonzaga, Ariano Suassuna e Mestre Vitalino.

Revolução da fé e da religião: chega de mostrar um “Deus” lá no céu, enquanto a gente se f... aqui na Terra.

Vamos fazer a Revolução. Revolução da mulher: chega do “burrismo” machista. A mulher tem seu valor, grande valor. Chega de submissão ou papel coadjuvante. Mulher: lute por seu lugar. Revolução do estudante: chega de escola pública sem qualidade ou universidade só para a burguesia: e nós, o povo, como ficamos? Chega de estudar sem raciocinar, sem refletir: temos que pensar, agir. Revolução do menor de rua, da criança carente, sem pai, sem mãe, sem escola, sem futuro...

Revolução contra o preconceito: negra e negro, mostre seu valor e sua cara: você é Brasil (o Brasil é multirracial) assim como todos nós, você tem seu valor. Chega de preconceito, também, contra os homossexuais, as prostitutas, os drogados, os aidéticos. Revolução dos idosos: o mundo precisa de tua experiência, de teu sorriso, de teu afago enrugado e trêmulo, de teu amor “marca-passo” e "hipertenso". Revolução da favela: povo “Trenchtown”, mostre quem você é, busque o que é seu, busque dignidade: chega de “Casas Grandes X Senzalas”, de “Sobrados X Mocambos”, de “Mansões X Barracos”. A não ser que queiramos isto...

Vamos fazer a Revolução! Revolução do oprimido: chega de injustiça, baixo salário, vida bandida: abaixo a opressão, abaixo o voto comprado em troca de pão. Revolução do sem-terra, do camponês: vamos fazer a “reforma agrária” e “reforma agora”. Vamos fazer a Revolução. Revolução do excluído: nós queremos casa, escola, hospital de qualidade. A menos que queiramos isto...

Vamos fazer a Revolução! Revolução do trabalhador: chega de péssimas condições de trabalho, chega de exploração, de horas-extras, de doenças, de perseguição. Trabalhador, o teu patrão só é rico às tuas custas. A menos que queiramos isto...

Vamos fazer a Revolução! Revolução contra o “Tio Sam”, contra o FMI, contra o neoliberalismo, contra o capitalismo selvagem, contra a exploração de países ricos sobre pobres, contra os males da globalização. Revolução do sofredor contra o opressor. A não ser que queiramos isto...

Vamos fazer a Revolução! Revolução do jovem: idealista, forte, sonhador. Revolução da boa vontade, da solidariedade, do “estou aqui”, revolução da dignidade, do amor. Revolução do “homo sapiens-sapiens”, do ser humano: chega de acabar com a vida do próprio irmão e dos primos árvores e animais. Vamos fazer nossa raça progredir, crescer, existir. Revolução da vida e da ecologia: o mundo, a Terra é nossa casa, é preciso revolucionar, mudar, transformar, refazer de outra forma, de boa forma. A menos que queiramos isto...

É hora de reviver e “re-ser” revolucionários como Jesus Cristo, Che Guevara, Lênin, Antônio Conselheiro, Zumbi, Joana D’Arc, Anastácia, Margarida, Rousseau, Danton, D. Hélder Câmara, Bettinho...

... Josés, Marias, Joões, Clarisses, Severinos e Severinas desta morte-vida. É preciso voltar a ser eu e você, nós...

Vamos fazer a Revolução! Revolução do povo, o povo brasileiro, homens e mulheres da raça-Brasil e do mundo, Todos nós, juntos. Revolução do cidadão. Cidadão globalizado, mas consciente!

A menos que queiramos continuar a sofrer, a sermos explorados, infelizes, covardes, cúmplices dos males do mundo. A menos que gostemos ou nos beneficiemos disto.

A menos que(...)”

Será que alguém ouviu quem estava gritando?

O samba já estava no fim. A cerveja estava esquentando e os primeiros sintomas de ressaca assolavam os mais exaltados consumidores.

Papéis espalhados pelo asfalto, olhares fixos no chão.

Será que alguém ouviu quem estava gritando?

Quanto tempo faz que gritam e ninguém ouve nada...

E os passos do profeta urbano seguiam-se trôpegos, porém, cadenciados.

“Um dia alguém irá ouvir!”.

E seguiu chutando as latas de cerveja rua afora.