Talvez

Uma cara meio alucinada, mas mansa. A mansidão em pessoa.

Entra num bar, lugarzinho sujo, que mármore mais nojento, manchado, será que o maldito dono nunca ouviu falar em sabão, detergente e outras porcarias que servem para limpar? E o chão? Asqueroso.

Mas era o único aberto pelas redondezas, São Jorge num altar vagabundo tomando conta dos possíveis assaltantes, as garrafas numa prateleira. Ah! Empada. Tinha empada. O cara não perguntou de que era.

— Bota uma!

— Pra já, meu chefe. Mineira de chapinha?

— Da curtida. Amarela. Tá esperando o quê?

— Prontinho. Vai de um salgado, tira-gosto?

— Mas nem pensar. É come aqui e cai ali.

Tomou a cachaça como se fosse a última coisa que faria na vida. Um gole só. O que não esperava era o aparecimento repentino do Armando, quase se aposentando, como ele.

— Armandinho, meu irmão! Podia esperar tudo, menos que você aparecesse nesta hora. — Deu um abraço de tamanduá no amigo e foi berrando: — bota outra, copo grande. Pra mim também.

Abraço de bêbado parece coisa de namorados. Não desgrudam, mas a visão dos copos cheios separou na hora. O santo não ganhou nada, brindaram e só aí que foi pouca coisa para o chão, essa mania de ficar dando pinga para santo não era com eles.

— Estive pensando...

— Para, homem, o ar vai ficar fedido.

— Mas Murilo, é coisa séria!

— A última coisa séria que você disse eu levei uma porrada daquele PM, aí o estrago — e mostrou o olho esquerdo, meio avariado pelo soco do soldado ofendido com as palavras que Armandinho dirigiu à companheira do policial.

Estavam num porre que fazia gosto.

— Rapaz, deixa eu contar. Curvelo morreu, nunca mais ouvimos as piadas dele, o cara era demais, estive pensando se ele foi pro céu, era alma boa.

— E daí?

— E daí que achei que morrer deve ser uma boa. Curvelo prometeu que se fosse dessa para a melhor, baixava e me contava tudinho como era!

— É? E ele contou o quê?

— Nada, eu é que estive pensando. A gente não precisa mais trabalhar, nem ganhar dinheiro, nem andar de metrô, não precisa acordar cedo...

O outro foi na história, não demorou. Beleza! Nada de trabalho, tudo fica pela conta de São Pedro, cachaça melhor do que qualquer bebida de classe, não ficava de porre se não quisesse, não tinha ressaca, nem fome, nem sono, nem PM para dar soco no olho, nunca mais iria aturar aquele maldito chefe, carinha metido a besta, e ainda por cima de tudo era corno, que vergonha, sabia de tudo, o safado. O dentista! Ah, miserável dentista, carniceiro, chato, consultório vagabundo, sempre cheio.

Nada de botequim nojento como aquele, a empada causava náusea, o copo de cachaça esta engordurado, a mulher reclamando da hora que ele chegava, no Céu não tem disso não, é tudo livre, pode fazer o que quiser, só não pode pecado, mas eles não eram pecadores, nem safados, eram apenas pobres diabos, quer dizer, coitados que a Vida deixou na amargura.

Beberam mais, saíram juntos cantando uma música antiga, abraçados, enquanto a chuva fina molhava a calçada e suas roupas amarrotadas.