398-A MORTE DE TARZAN- Bom Humor

Era um verdadeiro bambu ambulante: media um metro e noventa centímetros e pesava cinqüenta e seis quilos. Por isso, os amigos o apelidaram de Tarzan, que ele, um tipo afável, atendia de bom grado. Casado com Etelvina, que, lavando roupa pra fora, mantinha a casa e a mania do marido. Jogador inveterado de sinuca, em cujas mesas passava dias e noites, era o campeão das mesas de bilhar, em qualquer modalidade: sinuca, bola três, mata-sete...

Apesar da magreza, era saudável e simpático, a ponto de manter outro fogão, como se diz mineiramente. Ou seja, tinha uma amante. De casa, cama e mesa posta quando ele desejasse.

Etelvina fingia que não sabia da rival, Rosália, cuja casa ficava do outro lado de São Roque da Serra. A vida corria mansa para Tarzan. Ganhava no jogo, nunca trabalhara, tinha o sustento garantido por Etelvina e Rosália não lhe pesava quase nada, em matéria de dinheiro. Talvez tivesse arranjo com outros parceiros de cama, mas isto não vem ao caso.

O amor de Etelvina e o carinho de Rosália eram incontestes, e satisfaziam Tarzan na medida certa.

Apenas uma nuvem toldava a felicidade do vara-pau: era chagado, isto é, sofria da doença-de-Chagas, bastante comum no interior de Minas.

— Tenha muito cuidado em não fazer esforço físico. – Recomendara-lhe o doutor Evangelino, quando constatou a existência do mal. – E deve parar de fumar.

O que, para Tarzan, não foi pedir muito. O homem jamais trabalhara e não seria agora, estigmatizado com a doença que atacava o coração mas lhe permitia continuar jogando e satisfazendo suas duas mulheres, que iria se esforçar.

— Pode deixar, doutor, vou ficar bem sossegado. Mas deixar de fumar...sei não, doutor.

Tarzan fumava e fumava muito. Vicio no qual era acompanhado por Etelvina e Rosália.

Enfim, chegou a hora de Tarzan. Estava no meio de animada partida, como sempre levando a melhor sobre seu grande rival Tuniquinho Bom-de-Taco. Passou o giz no taco, olhou bem para as bolas espalhadas sobre a mesa, escolheu a posição, ajeitou o taco, fez aquele conhecido movimento de avançar o taco e recuar, quando o coração parou. Tombou de borco sobre a mesa, sem um gemido, sem um estremecimento. Morreu como um passarinho, como se diz em Minas.

.No velório, os amigos de revezavam. Muita gente, pois Tarzan era muito conhecido. Suas duas mulheres também compareceram. Etelvina se postou à cabeceira do caixão, no lado direito, e Rosália ficou em posição igual, no lado esquerdo. Ambas chorosas, cada qual querendo mostrar maior dor pela perda do marido e amante.

— Meu querido, não sei como vou viver sem você. — Rosália conversava com Tarzan, já colocado num caixão feito especialmente para ele. — Te quero muito, e vou ser sempre sua. E como lembrança sua, vou guardar e fumar devagarzinho aquele pacote inteiro de Roliúde que você deixou, com o maço de fósforos...

Ao que Rosália interpôs:

— Tá bom, cê pode ficar com o pacote de cigarro. Mas o maço de fósforos fica pra mim!

Antonio Roque Gobbo –

Belo Horizonte, 09.05.2006

Conto 398 da Série Milistórias

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 02/09/2014
Código do texto: T4947158
Classificação de conteúdo: seguro