O milagre

O milagre

A noite foi tensa na comunidade. Ao amanhecer o inferno se transformou em silêncio total. Os moradores estavam apreensivos, pois o que temiam aconteceu. Mesmo com o medo aflorado, a vida tinha que prosseguir... As conversas eram quase um sussurro.

—Tomaram o morro Cristina!

—Fiquei sabendo agora ali na tendinha Marly. Quer dizer, com o barulho da noite, já estava desconfiava que fosse isso!

—Você já sabe quem foi né?

—Lógico que sei, as notícias correm como raio nesse morro. Na verdade ele já estava tentando faz tempo! Depois que Luisão foi morto junto com seu braço direito, muitos dos homens dele foram embora.

—Estou muito preocupada. Acho que vou aceitar a casa emprestada do meu irmão! Ele vive me oferecendo... O sossego acabou! Não quero criar o meu filho nessa loucura com bandido pra lá e pra cá. Os antigos a gente já conhecia, eram mais calmos e mal ou bem respeitavam... Já esse cara tem uma fama que dá medo! Se eu fosse você faria o mesmo!

—Tá pensando que eu tenho irmão bem de vida? É ruim hein!

—É, pelo menos essa sorte eu tenho!

—Quem voltou pra cá também foi o Cigano lembra dele?

—Eu era pequena, mas minha mãe sempre diz que foi ele que me curou da asma! Ele faz umas garrafadas, uns chás, umas rezas que levantam até defunto.

—Mas dizem que está cego né?

—É dizem! Mas mamãe não acredita nisso não! Ela diz que ele enxerga melhor que a gente.

Tetê não viu nenhuma dificuldade, tomar o morro foi mais fácil do que imaginava. Aprendeu tudo com o pai, Terêncio, que desde menino lhe ensinou a vida do crime. Dizem que há trinta anos atrás ele era o dono do morro. Mandava matar com a maior simplicidade. Expulsava famílias de seus barracos e colocava os “funcionários” pra morar. Tem uma história de que ele se apaixonou por uma menina de doze anos, tomou-a da família e mandou que o pai sumisse senão matava todo mundo. O homem para proteger seus outros filhos, foi embora. Muitos anos depois, Terencio o pai de Tetê foi preso e então veio outro para o lugar dele. Morreu na prisão. Mas antes deixou o herdeiro preparado.

Uma semana se passara desde o dia da tomada do morro. O movimento estava intenso dentro e fora da comunidade. Dentro, os vários soldados de Tete que mais parecia um exército, não paravam de desfilar as motos roubadas e as armas possantes. Fora, além dos antigos donos que não se conformavam com a derrota, estava a polícia que só esperava uma falha deles.

Tetê estava no terraço com seus homens planejando as próximas ações, quando Sara sua mulher apareceu.

—Nosso menino não está bem vem comigo! Desesperada a mulher de Tetê gritava. —Não quero que meu filho morra! Tudo por causa dessa vida. Não aguento mais!

Quando viu o estado do filho ele ficou desesperado e chamou seus homens.

—Meu filho está em crise, não tem jeito! Vamos ter que levá-lo para o hospital.

— Mas chefe, a coisa tá feia lá em baixo. É arriscado!

Um de seus homens lembrou que a mãe sempre falava de Cigano. Dizia que ele curava mesmo! Tetê ficou sabendo e mandou seu homem de confiança ir buscá-lo.

Não demorou nada para Cigano chegar. Quando entrou na mansão, viu Tetê ajoelhado chorando e pedindo pelo filho diante de um altar.

Cigano não o conhecia e nada sabia a seu respeito. Mas se impressionou com seu choro. Sinal que tem sentimento —Pensou— Cigano tinha voltado havia poucos dias, passou muito tempo fora e não sabia das histórias recentes e nem que tinham tomado o morro. Desconfiou pela guerra daquela noite que o fez lembrar o passado. Na verdade Cigano não falou com ninguém depois que voltou. Sempre calado e distante.

Tetê parou com a reza, e levou Cigano até o filho.

—Salva o meu filho por favor! Disse com a voz embargada... Cigano via em Tetê, não o bandido, mas um pai desesperado com medo de perder o filho que tanto amava. Não respondeu nada e pediu para ir à cozinha. Estava surpreso com a grandiosidade da mansão construída por Luisão, o antigo dono. Fez um chá, com muitas ervas e acrescentou um pó que ninguém sabia bem o que era. Esfriou e o entregou para a mãe dar ao menino, que tomou com dificuldade. Enquanto isso Cigano rezava a criança com a mão em sua testa. Demorou um pouco e o menino com a respiração já estabilizada, enfim, dormiu. Tetê ficou ali durante toda a noite enquanto esperava a melhora de Thiago. Cigano não se conteve mais, algo o chamava para aquele altar desde que entrou naquela casa. Sua vontade foi mais forte. Achou estranho que em vez de uma santa havia um porta retrato. Quando chegou perto, Cigano viu uma foto de mulher e se assustou. Por mais tempo que tenha passado, era impossível não reconhecer aquele rosto. Seu coração já disparava e controlando a emoção perguntou.

—Quem é?

Tetê que estava meio sonolento olhou para Cigano e teve um impulso de tomar a foto da mão dele. Ninguém tocava naquele altar. Mas lembrou-se o motivo pelo qual Cigano estava ali.

—É minha mãezinha Maria Clara... .

Tetê se levantou e pegou um vaso, que também fazia parte do santuário.

—São as cinzas dela. Desde quando fez à passagem, tudo que peço a ela me atende. É uma santa! Seu maior sonho era me ver fora dessa vida de crimes. Acabei de prometer que se meu filho se salvasse eu largaria tudo. Ele é a minha razão de viver.

Tetê foi falando e não percebeu a emoção que foi tomando conta de Cigano. Quando olhou, ele já estava chorando abraçado ao retrato.

—Tanto te procurei filha e quando encontro, só tem suas cinzas e uma foto. Por que Deus não me devolveu você com vida?

Atônito, Tetê ficou olhando para Cigano, ouvindo seu choro e sua voz. E lembranças de um passado não muito distante voltaram em sua memória. Quando pela primeira vez depois da morte de seu pai Terêncio, sua mãe falou da família.

A voz do menino chamando pelo pai os despertou daquele momento que prometia muita emoção. Tetê correu e pegou o filho em seus braços. Beijou-o e se voltando para Cigano, agradeceu com um olhar.

yoyo
Enviado por yoyo em 30/08/2014
Código do texto: T4942579
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