Nem sempre sabemos das coisas
Carlinhos acorda às 6h30 da manhã forçadamente devido ao seu despertador berrante. Com os olhos praticamente fechados estica sua mão direita, pega o celular, que está a gritar e desliga. Pensa: – Vou dormir só mais uns minutinhos. Volta a dormir profundamente e novamente acorda assustado com sua mãe gritando: – MENINOOO! São 7h30 da manhã, você já quer matar aula da faculdade mesmo? Bora, bora. Levanta da cama, toma um banho, escova esses dentes pra tirar esse bafo, que está horrível, tome o café que já está na mesa há tempo e vá embora estudar.
Ele, preguiçosamente, segue todas as orientações da mãe, que não para de gritar da cozinha coisas típicas de mãe estressada, que tem excesso de zelo: – Você não tem jeito. Se ninguém fizer as coisas por você, você não faz nada. Menino, você já está virando um adulto e precisa tomar rumo nessa vida. Precisa sair da barra da saia da mãe. Eu não vou viver eternamente para tomar conta de você não. Aprenda a ter responsabilidade e fazer as suas coisas; a cumprir suas obrigações sozinho.
Quase tudo dito pela mãe é para o bem do filho, mas na realidade, se for por vontade dela, ele não vai sair nunca de sua casa; e ela vai fazer sempre os caprichos do seu único filho, pois no fundo, no fundo, ela adora mimá-lo.
Carlinhos, que tem 19 anos e estuda psicologia, toma o seu café com leite e come um sanduíche de forma sossegada, enquanto raciocina mais uma vez o porquê de sua mãe ser tão histérica. Assim que termina de comer, a sua mãe fala: – Venha já escovar os seus dentes de novo. A escova está aqui. Você não escovou os dentes assim que acordou, né? Comprei aquela pasta de morango da Close-Up que você gosta e ela ainda está lacrada. Vamos, vamos; escove logo os seus dentes e coloque seu perfume, que eu preciso ir ao mercado depois que deixá-lo na universidade, e se demorarmos muito não encontrarei mais verduras e legumes frescos.
Enquanto ele segue as ordens da mãe, esta vai até a garagem e liga o carro. Carlinhos, vestido com um bermudão jeans rasgado próximo ao joelho, de tênis All Star e camisa bufenta, entra no carro. Sua mãe olha para ele e diz: – O que é isso? Você é maluco, meu filho? Vai andar pelos cantos todo despenteado mesmo? Tome isso aqui, pegue essa escova e ajeite logo esse seu cabelo – finaliza a mãe depois de pegar uma escova no porta-luvas do carro.
Meia hora após, a mãe de Carlinhos o deixa em frente a UFPB. Este pega sua mochila, abre a porta do carro e se despede da mãe. Sorridente, esta segue seu destino pensando: – Que filho bom e responsável eu tenho. Num mundo cruel, onde as drogas dominam os jovens, eu tenho uma baita sorte de ter um excelente filho.
Carlinhos, andando satisfatoriamente, passa a mão nos cabelos, abre sua carteira, pega R$ 2 reais, compra três cigarros na cantina da Praça da Alegria do CCHLA (Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes), e vai ao encontro de uns amigos que estão conversando numa mesa de pedra. – E ae, quem vai fazer a presença hoje? O bagulho hoje é por conta de quem? – pergunta Carlinhos.
Um de seus amigos, o Beto Baga, fala: – Mas olha! Já chega tumultuando é doidão? Tá doido pra fumar, né? Deve ter passado o fim de semana todo com a mãezinha na igreja, né verdade?
– Homi, coloque logo isso. Faça a presença e bote logo esse fumo pra nois – retruca Carlinhos.
– Tá certo, tá certo. Deixa eu terminar de arrochar aqui, que você vai ficar calminho, calminho – fala Beto Baga.
Os amigos, após fumarem coletivamente um cigarro de maconha e ficarem “lombrados”, cada um vai para a sua sala de estudo.
Meio dia em ponto, a mãe de Carlinhos está o esperando na frente da Universidade. Este, devidamente perfumado e com uma pastilha na boca, entra novamente no carro e os dois vão para casa almoçar.
Para a mãe de Carlinhos qualquer viciado em droga é maconheiro: Viciado em crack é maconheiro, viciado em cocaína é maconheiro. Ela não sabe distinguir os tipos de drogas e viciados. Sim, para ela maconheiro é sinônimo de bandido também.
No caminho de volta para casa, ela fala a Carlinhos que soube de uma tragédia que aconteceu com uma família conhecida por causa de dívidas de drogas e diz ser sortuda por ter um filho responsável que nunca se meteu com coisa errada e jamais experimentou qualquer tipo de droga.
Carlinhos responde: – É verdade, mãe. Eu nunca me envolveria com essas coisas. Nem de bebida eu gosto.
– Isso, meu filho. Continue assim. Você é o filho que toda mãe quer ter – finaliza a mãe, que, apesar de ser excessivamente protetora, não sabe de fato o que acontece “abaixo do seu nariz”.