382-BOMBA NO AEROPORTO DE MIAMI-Terrorismo
— Ceis tão sabendo da prisão dos filhos do Serapião Gambeta?
— Presos?Mas onde? Que foi que os dois aprontaram?
— Oxente, a notícia deu ontem na Televisão, no jornal da meia-noite.
— Conta aí, cumpadre, como foi?
O cenário já é conhecido dos leitores destas crônicas. A Pharmácia Central, do competente farmacêutico Ramon Granados, onde se reúne, todas as manhãs, a meia dúzia de velhos (velhíssimos) fregueses, que gastam mais comprando remédios na farmácia do que alimentos no mercadinho de Chico Chicória, na contra-esquina. A localidade é Tabatoa, um pacato vilarejo no sertão nordestino, às margens do Rio São Francisco, onde os dias passam numa pasmaceira total. As notícias chegam pela televisão, a que nem todos assistem.
Gumercindo Lesbão, Roque Féler. Gustavinho da Barroca, Tunico Beato, Pedrim Mentira são os mais assíduos. A notícia da manhã, dada por Tunico Beato, desperta a atenção dos demais, porque todos conhecem Juninho e Raimundinho, filhos do Coronel Serapião Gambeta, o mais abastado criador de cabras da região.
— Os dois moleques estavam nos Estados Unidos.
— Moleques é que não são. Já são casados, o Raimundim tem até um filhinho. Sei até que eles têm uma pequena fábrica de pranchas de surfe, no Rio.
— Pois é, mas o que fizeram foi uma molecagem.
— Conta aí, Beato, como tudo aconteceu.
— Deu na Globo, nas notícias da meia-noite. — Tunico Beato começa a narrar o que vira na televisão na madrugada. — Diz que os dois estavam pra embarcar no avião, em Miami. Iam pro Rio, onde eles moram. Ceis sabem que os dois são uns trambiqueiros das arábias. Mas as autoridades de lá, dos Estados Unidos, não estão dando folga pra ninguém. Tem acontecido até mortes com as pessoas que tentam entrar lá, ilegalmente.
— É verdade. = Lesbão confirma. = Depois que as Torres lá de Nova York foram derrubadas, não se sabe o que é mais difícil, se entrar ou sair de lá
— Mas, e os dois, que foi que eles aprontaram? — Gumercindo Lesbão, que é meio aparentado dos dois e está muito interessado.
— Bem, diz que eles estavam na fila da alfândega, ceis sabem, aquela fila onde eles revistam todo mundo, faz um monte de perguntas pros viajantes. Diz que um perguntou pro outro, num se sabe se foi brincadeira ou coisa séria, falando assim:
— Então, cê embalou direitinho a bomba?
Quando o guarda da alfândega ouviu falar em “bomba”, logo mandou todo mundo se afastar dos dois, que foram logo isolados, com as bagagens, no meio do recinto. Uma confusão.
Chamaram a tal de SWAT, um esquadrão para desarmar a bomba. Os dois foram algemados e colocados também longe das malas. O Juninho começou a gritar, dizendo que não era bomba que eles tavam carregando. Quanto mais ele falava em bomba, mais o pessoal do aeroporto corria pra fora. Parece que ele falava uma coisa e os caras entendiam outra.
— Deve ser porque lá tem duas palavras para bomba. — Interveio Roque Feller, engenheiro aposentado, de origem britânica. — Bomb é a bomba, artefato de guerra, e outra é pump, que é bomba de uso para bombear água, por exemplo. Deve ser esta a confusão que...
— Já ia chegar lá, cumpadre. — Voltou Beato à narrativa. — Diz a notícia que os dois foram levados para a prisão. Vão ter de pagar uma multa de 250 mil dólares, e parece que podem até ficar presos por uns cinco anos.
— Mas, e a bomba? = Indaga o farmacêutico, aflito com a situação dos rapazes.
— Então, o esquadrão da polícia abriu as malas e embrulhos da dupla de brasileiros. E quando abriram um pacote quadrado, descobriram a causa da confusão. Encontraram uma pequena bomba de sucção que os dois compraram para usar na sua oficina de pranchas de surfe.
ANTÔNIO GOBBO – 4/janeiro/2006 –
Conto # 382 da Série Milistórias