SOBRE AS DUNAS QUE SOBEM O RIO NO INVERNO

Estava chovendo quando a caminhonete parou em frente a casa branca com janelas e portas de madeira pintadas de verde. O motorista soltou, fechou a porta do veículo e entrou no quintal da casa chamando pelo morador:

- Você está em casa?

O homem com idade avançada abriu a porta e disse:

- Entre.

- Acho que cheguei na hora marcada.

- Chegou sim, quer um cigarro e uma vodka?

- Vodka, parei de fumar. Você deveria parar também.

- nunca deixarei meu cigarro nem minha garrafa.

- Fez alguma coisa depois da cadeira?

- Estou fazendo uma mesa para por aqui na cozinha.

- E a antiga?

- Vou colocar lá atrás para por as ferramentas.

- Estou preocupado com você, parece não acreditar mais.

- Acreditar em que?

- Você parece viver num exílio voluntário.

- Há muito tempo eu me sentava na praça fumando meu cigarro, as pessoas passavam e não viam nada, às vezes era mês de abril, às vezes mês de junho, às vezes não era mês nenhum, só o vulto da fumaça do cigarro.

- Acho que você tem medo de acreditar na esperança.

- Não tenho medo, até acredito, sei que a esperança já esteve aqui, mas acho que não o bastante, não por culpa dela e se você olhar bem poderá ver o que habita esse legar, basta olhar e verá que não é a esperança.

- Sirva mais um pouco de vodka.

- Já tirei muitas fotos desse lugar, de vários ângulos, em algumas até existe flores, mas logo somem, a maioria das fotos é sempre a mesma paisagem.

- Talvez sejam seus olhos.

- Um dia vi um menino brincando, puxando um ônibus de plástico, nessa mesma rua aqui em frente, ele estava feliz, cheio de sonhos, de repente, do nada, ele desapareceu, ele morreu.

Arnoldo Pimentel