Vencendo o medo
Entro na sala com cuidado. Na verdade, paro na porta e fico em pé, escondido. Há um monte de monstros rosnando, arrotando e fazendo coisas monstruosas. Eles conversam uns com os outros, comentam sobre suas noites debaixo de camas e atrás de armários. Outras noites em meio à floresta. Ocasionalmente riem diabolicamente, mas na maioria das vezes as expressões são tensas e assustadoras. Suas vozes soam como estrondos, trovões que ecoam em suas bocarras. O cheiro é de enxofre e pêlo sujo. Tem uma mulher calada ali. Ela é excelente. Observo com cuidado.
– Senhor Bicho-papão, é a sua vez. – diz um monstro.
– Sim... Então, sabe, eu não gosto de claridade, ela queima meus olhos. – diz a criatura grotesca, o Bicho-papão.
Todos os monstros se entreolham e afirmam com a cabeça, murmurando palavras, algumas de outros idiomas. Bicho-papão está inquieto em sua cadeira com as mãos gigantescas no colo. O monstro de antes intervém com um ar frio:
– Senhoras, senhores, ainda é a vez do senhor Bicho-papão.
– Sim senhor, conde Drácula. – todos dizem em uníssono, apesar da sonoridade particular de cada. Um barulho inimaginável.
– Prossiga.
O conde Drácula está com as pernas cruzadas e com as mãos brancas de unhas compridas em cima do joelho da perna direita, que por sua vez encontra-se sobre a coxa da perna esquerda. Seu olhar é penetrante e desconfortável.
– Então, sabe, eu gosto de lugares escuros, empoeirados e apertados. O ar gostoso, sabe, ele é muito bom... E, claro, eu gosto de coisas nojentas, sabe... Vocês sabem, eu sei, não sei porque estou falando isso... O que quero dizer é que... Estou atrapalhando, conde Drácula?
– Não, Bicho-papão, tome tempo que for necessário. O seu progresso está sendo horrível até agora
– Obrigado... Então, humm... Assim, eu durmo debaixo de camas de crianças então... Um dia, pra variar, eu pensei que seria divertido brincar com uma delas e... Bom, não sei o que aconteceu com ela que saiu correndo. Eu fiquei muito magoado. – faz uma careta feia e destrói a cadeira.
Todos são horríveis, com exceção da mulher. Estou muito nervoso, não sei o que fazer. Não sei aonde ir, não consigo sair do lugar. Meu corpo está imobilizado.
– Sim, senhor Bicho-papão, compreendemos a situação. – diz o conde Drácula – Não deixe com que isso o abale. O senhor definitivamente não se encontra no mesmo patamar desta criança. Continue do jeito que o senhor é, confie em você e faça o que o senhor julga ser certo.
Todos voltam a se entreolhar e a afirmar com a cabeça. A barulheira é grande. É terrível.
– Agora é a vez da senhora Alienígena. – avisa o conde Drácula. – Senhora Alienígena, se não se incomoda, comece a qualquer hora.
– Abaadu fluntstar. – diz a Alienígena.
É um ente verde-claro e cabeçudo sentado logo ao lado do Bicho-papão. Mas o Bicho-papão permanece em pé agora, visto que sua cadeira encontra-se totalmente destruída. Meu maior temor é que algum deles me vejam.
– Loique guw ani urubu aladus aquanhuts eni Bicho-papão. Agofek kokoto, arrumta oporuru. Loi nutava yirblindi ogo kokoto maneh que loi nuni bisto. Digui loiny cacatarani. Nun fifte, poke noni ani loin intendo. Nun fifte...
– Compreendemos muito bem a sua preocupação, senhora Alienígena. – diz o conde Drácula. – Mas, esqueça estes humanos. É difícil entendê-los, realmente. Afinal, este é o propósito do grupo, deixar de lado os atos indizíveis dos humanos. E, sinceramente, a senhora tem uma aparência muito repugnante. – termina com frialdade.
– Agui, pagui! – a Alienígena fica sem jeito.
– Agora é a vez de a senhora Succubus contar-nos o motivo de ela estar aqui. Por favor, senhora, prossiga da maneira que julgar ser a mais confortável.
Os monstros começam a se agitar e falar alto. Comentam a respeito da Succubus, que ela é perfeita e linda demais. A comoção quase me expõe, já que o Bicho-papão pula como um animal.
– Senhores, respeito com a senhora Succubus! – conde Drácula eleva o nível da voz. – A sua aparência não condiz com a verdadeira criatura que existe dentro dela, dentro de todos nós! Não se esqueçam de que os senhores não são muito diferentes dela! – senta-se novamente. – Prossiga, senhora.
– Na verdade, conde Drácula, acredito que sou um pouco diferente. – diz Succubus, olhando desconfiada para todos os monstros. – Costumo passear nas ruas durante o período noturno. E certos humanos masculinos, digo, todos que me vêem, apresentam um certo impulso em ter relações sexuais comigo... É... É simplesmente muito gostoso...
Succubus sucumbe e começa a derramar água do rosto. Parece-me muito triste com a situação. Todos os monstros permanecem em silêncio observando a cena. Tento fazer o mínimo possível de ruído para não denunciar minha posição. O conde Drácula continua petrificado. Aquela presença desalmada.
– Succubus, como eu já comentei anteriormente, a senhora é muito diferente destas coisas, destes humanos. Embora o seu exterior seja igual ao destes humanos, com todo o respeito, e igual à minha também, o seu interior não é nada comparado ao interior destes humanos. Eu simplesmente não consigo encontrar palavras para descrevê-los, pois, horríveis certamente não são! Talvez a melhor palavra que os descreva seja Humanos!
Os monstros agitam-se agora e Succubus levanta o astral e adere ao ódio da comunidade. Este ódio monstruoso me afeta de certa maneira que perco controle do corpo. Pulo, relincho, debato-me. Os monstros quebram cadeiras.
– Com licença, senhoras e senhores. – diz o conde Drácula, dirigindo-se aos monstros com voz cortante. – Parece-me que temos alguém se escondendo.
Silêncio na sala. Os monstros olham para mim, seguindo os dois olhos penetrantes do conde Drácula. Fui exposto, não tenho para onde ir. Estou tremendo, todo o meu ódio substituído por pavor.
– O senhor escondido aí, pode aparecer. Sente-se e se apresente, por favor, se é isso o que deseja. – o conde Drácula me convida. – Não tema, aqui todos somos iguais, aqui todos temos o mesmo ideal. Porém não quero impelir ninguém a ingressar no grupo. Mas garanto que você se adequaria muito bem à nossa comunidade.
Entro em passos lentos e curtos, encarando todos os monstros, reparando em todos os seus detalhes à procura de suas faces ridículas. Tento me familiarizar com a situação e local. Os integrantes demonstram-se muito receptivos e com certa ansiedade.
– Sente-se onde se sentir mais confortável. – conde Drácula demonstra as cadeiras vazias com um movimento sutil de sua mão de cinco dedos.
Passo ao lado da cadeira de uma gosma roxa e entro na roda. Dirijo-me cautelosamente a uma cadeira vazia em minha frente, trocando rápidos olhares com certos monstros. Assento-me na cadeira.
– Lugar ocupado. – diz a cadeira.
– Opa... Desculpe-me senhor... Não o vi aí... – digo.
– Pode me chamar de Senhor Invisível.
Receoso, viro o corpo à outra cadeira aparentemente vazia, ao lado da Succubus. Espero pela confirmação do conde Drácula para eu continuar. Ele me garante que a cadeira encontra-se desocupada com um movimento frio da cabeça e das pálpebras. Sento-me.
– Monstros, por favor, façam a gentileza de se introduzirem ao nosso novo amigo. – anuncia o conde Drácula.
– Sou a Succubus.
– Eu... O Bicho-papão...
– Pé Grande aqui.
– Senhor Invisível.
– Yeti, eu.
– Eu não tenho um nome específico, na verdade. Pode me chamar de Geléia Roxa, se preferir.
– Chhhupa-cabra.
– Hidra aqui!
– Hidra aqui também!
– E aqui também!
E o restante se apresentou. Inccubus, mais seis Hidras, o Minotauro fedido, Alienígena, Zumbi, e assim por diante. O grupo é grande e bem cordial.
– E eu sou o magnânimo conde Drácula, o responsável por este grupo. Por favor, nos inbforme o seu nome. Sem pressa.
Hesito um pouco. Mas, já que todos falaram seus nomes, é a minha vez de me apresentar.
– Opa, olá... Eu gosto de água. Meu nome é Nessy. Sinceramente, eu até estava um pouco tímido de aparecer a vocês. Traumatizado, sabe? – rio nervosamente. – Mas... Fico feliz em saber que não estou sozinho nesse barco.