"OLHAR MEIGO DE MENINO" Conto de: Flávio Cavalcante

OLHAR MEIGO DE MENINO

Conto de:

Flávio Cavalcante

As noites têm sido bastante frias na cidade. No final de tarde não se encontrava mais uma alma viva na rua. Todos estavam intatos na certa embaixo de cobertores felpudos e tomando aquele cafezinho quentinho ou aquele delicioso chocolate para amenizar o frio que castigava intensamente.

Confesso que eu também fizera da mesma forma, pois, devido ao tempo até por uma questão natural nessa época do ano, não dava coragem para fazer absolutamente nada. Desde muito criança eu sempre ouvi os meus avós até meus pais falarem que o mês de agosto era o mês mais friorento do ano e este ano então parece que castigou bem mais que os outros.

Numa determinada tarde dessas friorentas, a caminho da casa do meu tio para uma visita rotineira, percebi que na porta de entrada da sua residência estava ali deitado ao leu e exposto naquele mal tempo, um cãozinho de pelagem amarela. Sua aparência não era de um animal maltratado. Imaginei que seria de alguém ali próximo e estivesse ali esperando o seu dono chegar e leva-lo para o conforto da sua casa. Aquela cena me chamou a atenção ao ponto de comentar com meu parente que relatou ser de alguém da rua. Sendo assim, fiquei com mais tranquilidade e entrei na casa do meu tio para fazer a visita na qual era o motivo da minha ida até lá. Passei horas no interior da residência e papo vai e papo vem, não percebi que o relógio exposto na parede já marcara uma noite bastante alta e comentei com meus parentes que já estava na hora de ir pra casa. Aliás já havia passado da hora. Assim fiz. Despedi-me de todos e fomos até o portão conversando. Ao abrir o portão percebi de imediato que o cãozinho de olhar meigo de menino estava lá inerte no mesmo lugar de quando eu havia chegado. Aquela cena novamente chamou minha atenção e comentei novamente já com ar de preocupado. E o meu tio mais uma vez relatara que era normal aquele cãozinho amarelo estar ali que parecia ser da vizinha. Me aproximei dele, ainda fiz um carinho em sua cabeça, o que me devolveu com um olhar fechando os olhinhos como se tivesse gostando do carinho em sua cabeça. Pensei comigo que se eu tivesse espaço no meu apartamento levaria ele pra casa.

No dia seguinte o frio castigou ainda mais. E mesmo assim tive que resolver algumas coisas pessoais e obrigatoriamente tive que passar pela rua onde mora o meu tio. E fui recebido com aquele olhar meigo de menino novamente e parecia estar bastante feliz em me ver. Sua cauda deu aquela balançada que interpretei que ele estaria sorrindo. Fiz novamente um carinho em sua cabeça e fui resolver minhas coisas. Demorei bastante tempo para voltar. Fui passando novamente. A chuva já castigava mesmo fininha, mas a rua parecia está coberta com uma névoa friorenta e deserta. Ele estava lá no mesmo lugarzinho inerte, dessa vez em sono profundo. Parecia que tinha arrumado uma posição mais confortável para dormir e ali adormeceu esquecendo que estava no tempo e exposto a todo perigo. Percebi que seu corpo tremia sentindo calafrios. Voltei para casa já preocupado e aquele cãozinho não saía um só minuto da minha mente. Chegou a noite, fiz a mesma rotina para me afastar do frio. Não consegui dormir direito preocupado com aquele animalzinho que desde o dia anterior sofria com o mal tempo e até então já me atormentava a mente para saber de alguém se estava o alimentando pelo menos.

No dia seguinte voltei ao lugar já na intensão de procurar os donos, sei lá. A gente tinha que fazer alguma coisa. Afinal estávamos falando de um ser vivo inocente que estava ali abandonado e sentindo frio. Chegando lá, não o encontrei mais e me aliviou em certo momento, pois para mim o seu dono havia levado para casa e dado o conforto que ele estava implorando naquele momento. Chamei na casa do meu tio e ele me deu a triste notícia que o cãozinho de olhar meigo amanheceu morto na porta da sua casa.

Fui tomado por uma sensação horrível de tristeza profunda. A vida é de fato surpreendente e nos dá lição a cada minuto da nossa existência e essa foi para mim uma tapa na cara. Fiquei triste e até me sentindo culpado pela morte do bichinho com olhar meigo de menino. Quando eu acordei para ajudá-lo já era tarde demais. Somos falhos e egoístas. Nesse caso foi um misto de muita coisa. Talvez se eu soubesse que aquele cãozinho estava sozinho e abandonado, certamente eu teria feito algo de imediato evitando o pior como aconteceu. Mas com essa lição de vida, numa próxima oportunidade da vida certamente irei agir com mais afinco e veemência.

Flávio Cavalcante

Flavio Cavalcante
Enviado por Flavio Cavalcante em 15/08/2014
Código do texto: T4923267
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