368-VIGIA PRESO E LADRÃO SOLTO-Caso policial às avessas

O vigia Belmiro Gomes ouviu o estralar de madeira quebrada. Levantou-se de seu catre, pegou o 38, e, sem fazer a menor bulha, desceu a escada do edifício em construção, por cuja segurança era o responsável.

No térreo, caminhando descalço entre as sombras dos pilares e montes de tijolos, observa o ladrão, que, tendo usado um pé-de-cabra, tinha arrebentado o portão da frente e já estava dentro do prédio. Dá um tiro para o alto, ao mesmo tempo em que grita:

— Pára aí ou te passo fogo.

O assaltante se vira e encara o vigia.

— Pera aí, ó meu. Vamo cunversá.

— Num tem cunversa não, seu filho da puta. —

Belmiro é ágil e forte. Em dois tempos amarra o assaltante numa das colunas sem reboco. Em seguida, sobe de novo ao seu pequeno quarto, pega o celular e liga para a polícia, dando ciência da tentativa de roubo.

A polícia demora. Está amanhecendo quando aparece. Dois policiais saltam da viatura e tomam conhecimento do ocorrido.

— Entra aí, todos os dois. Vamos pra delegacia.

Alguns pedreiros, trabalhadores da obra, já estão chegando. Belmiro avisa-os sobre o fato.

— Tem problema não, daqui a pouco tou de volta.

Na delegacia, o delegado de plantão ouve o vigia. O meliante permanece mudo, a camiseta puxada sobre o rosto, para não aparecer nas fotos de jornais (como já viu inúmeras vezes na TV).

— Pois é, seu doutor, eu dei um tiro pro alto, e depois imobilizei o bandido. Amarrei ele com uma corda.

O delegado pede ao soldado que fez a apreensão da arma, que a coloque sobre a mesa. E dirigindo-se a Belmiro:

— Cadê o porte da arma?

— Tenho não, seu doutor.

— Como? O senhor usa essa garrucha sem porte?

— Ela não é minha, não senhor. Tomei emprestada de um colega, quando passei a ser vigia do edifício em construção.

— Quer dizer que nem procedência da arma você não tem? Como prova que ela não foi roubada?

— Ah, isso eu num sei. Só sei que ela é do Zé Diogo, que me emprestou.

— E com essa arma, que pode ter sido furtada, sem porte nem procedência, o senhor sai por aí, dando tiro de madrugada, ameaçando os cidadãos?

— Uai, seu doutor, eu só dei um tiro pro alto para o ladrão entender que eu num tava brincando, não senhor.

— Ele estava armado?

— Não sinhor.

— E o senhor atirou num cidadão desarmado?

— Mais no escuro cumo é que eu ia sabe que ele tava armado ou não?

— Isto é grave. Muito grave.

E dirigindo-se o ladrão:

— E o senhor, o que me tem a dizer?

— Nada, não, seu dotô. Eu tava passando pela calçada quando ele me botou a arma nas costas. Cumo eu num tinha nada, ele me amarrou.

— Cadê as testemunhas?

— Num tem testemunha, não, seu doutor — Responde Belmiro. — Foi pelas três da madrugada, não tinha ninguém na rua naquela hora, não sinhor.

— Então é sua palavra contra a dele?

— É, sim senhor.

— E o senhor anda armado, dando tiros na madrugada. E com arma sem origem nem licença.

Belmiro fica mudo. Mas que delegado filho da puta! — Pensa. — Daqui a pouco, vai dizer que eu sou o culpado.

Como que materializando seu pensamento, Belmiro ouve, surpreso, a ordem final do delegado de plantão:

— Cabo Antunes, prende o vigia e solta o ladrão.

ANTÔNIO GOBBO –

BHTE – 28/OUTUBRO/2005

CONTO # 368 DA SÉRIE MILISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 10/08/2014
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