362-FUMO & MACONHA EM TABATOA-Contradição e Contravenção

Leitores mostraram-se céticos a respeito das “Notas Sociais de Tabatoa”, um rápido registro das origens e da sociedade da pequena cidade situada à margem do Rio São Francisco. As coisas que lá acontecem são, na verdade, incríveis. Mas para não passar por mentiroso, eis o relato de fato que poderá ser provado pelos céticos, se compulsados os registros do fórum de Tabatoa.

A cidade evoluiu por força de duas atividades: a pesca, que foi abundante até algumas décadas atrás. E a cultura do fumo, pois as terras, muito ruins para a cultura de arroz, milho, feijão ou mandioca (os produtos de subsistência) são muito boas para o plantio de fumo. E o fumo de rolo de Tabatoa é famoso na região e além. Fumo forte, que satisfaz aos fumantes mais exigentes, confirma o ditado “terra fraca, fumo forte”, corrente entre os que se dedicam a plantar e a fazer fumo.

Malaquias Alves era plantador de fumo tradicional, pois fora um dos pioneiros no cultivo e no fabrico de fumo. Atilado, trouxera até um novo tipo de planta, que produzia quase o dobro das lavouras comuns. Seu método de fazer fumo também era melhor do que o sistema tradicional e seu produto, mais procurado, obtinha melhor preço.

Malaquias Filho, entretanto, não quis seguir a atividade do pai. Viajou para o sul, conheceu novos lugares, outras pessoas, o mundo, enfim. Voltou bem falante e cheio de novidades. Trouxe um saquinho com sementes de uma planta cujo produto era muito procurado nas cidades grandes. Semelhante ao fumo, a planta não requeria solo bom, ao contrário, dava-se bem em qualquer tipo de terra. Entregou a semente ao pai, aconselhando-o a plantar no meio do mato, onde a planta medrava melhor.

Malaquias pai não titubeou um momento e fez uma lavoura da nova planta, cujo nome nem sabia direito. O filho disse ser “erva de viajar”, o que nada significou ao pai.

— Mas, como é que se usa essa tal erva?

— A gente pita que nem cigarro de palha..

O velho não só plantou, como colheu e elaborou a tal erva. Experimentou e gostou, muito mais do que o fumo.

— Dá uma sensação disgraçada de boa! — Dizia aos amigos, incitando-os a fazer um cigarrinho da tal erva, que havia elaborado como se fumo fosse.

O filho ficou de voltar dentro de alguns meses, para pegar a mercadoria e levar a vendê-la no sul. Não voltou. Em seu lugar, chegou um batalhão de policiais. Eles localizaram a lavoura, destruíram-na, e prenderam o velho Malaquias, por ter plantado e traficado maconha.

Em que pese a acusação, Malaquias pai foi bem tratado na cadeia e teve direito a julgamento, defendido pelo advogado Dr. Nabias Ben-Ben Gurin, (conhecido como doutor Bembem). Durante o julgamento, esgotada a argumentação do doutor Bembem, Malaquias pediu ao juiz “um aparte”.

— O senhor só pode falar através de seu advogado. — Esclareceu o Juiz, o impávido Dr. Cantídio Tamer da Silva.

— Mais tem uma coisa que num tou entendendo nessa história toda. — Redargüiu o réu.

Mostrando uma tolerância além do permitido pelo ritual jurídico, o Dr. Tamer anuiu:

— Bem, diga lá o que tem a dizer. Mas seja rápido.

— Queria saber o seguinte: plantar a tal de maconha, que dá aquela sensação gostosa, até parece sonho, não pode?

— Não pode. É contra a lei. Já foi explicado.— O juiz responde. — É totalmente ilegal.

De pé, coçando a cabeça, Malaquias Alves continua:

— Mas plantar e fazer fumo e cigarros que enchem os pulmões de veneno, causa enfisema, câncer e outros problemas, pode?

— Isso pode, é legal. — Responde o juiz.

— Êta, fumo! É isso que não dá pra entender...

ANTÔNIO GOBBO —

B.HORIZONTE, 17 DE SETEMBRO DE 2005.

Conto # 362 da Série MILISTÓRIAS.

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 08/08/2014
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