361-NOTAS SOCIAIS DE TABATOA-Política,Bom Humor
Encravada no sertão pernambucano, às margens do rio São Francisco, Tabatoa faz jus ao nome, de origem indígena. Explicam os entendidos (são conhecidos como filólogos) o significado da nomenclatura: é uma palavra da língua tupi-guarani, composta por duas outras: taba, que significa o conjunto de ocas, ou seja, a vila habitada pelos índios. Aatoa é uma palavra que qualifica, ou melhor, desqualifica qualquer coisa. O significado é mesmo este: à toa, sem importância, pequeno, insignificante. Por uma simplificação gramatical (que fica chato explicar aqui), o que seria tabaatoa ficou sento tabatoa.
Talvez que no início, por ser uma vila ou um povoado pequeno, o nome até fosse interessante, consoante com o tamanho. Mas, à medida que a região alcançou certa prosperidade, outras vilas se transformando em cidade, Tabatoa permaneceu pequena e insignificante. Então, o nome da cidade tornou-se pejorativo e ser taxado de tabatoense era considerado desaforo.
Houve uma tentativa de mudança, mas o nome aventado pelas autoridades (prefeito e cinco vereadores, todos do PT) pareceu pior: Tabatópolis foi combatido pelo padre Gusmão, pelo Delegado Quincas e pela diretora do grupo escolar, dona Rosinha, esposa do Juiz da Comarca, Dr. Cantídio Tamer da Silva Por isso tudo, Tabatoa continuou sendo Tabatoa e, como o nome, insignificante permaneceu.
A política era a distração da elite tabatoense. De um lado, o PT se destacava: era um partido onde misturavam comerciantes, advogados e professores (menos os trabalhadores). Contava com a simpatia do promotor público, doutor Roque Pinto, que não podia se manifestar politicamente. Um partido bem azeitado por remessas de dinheiro enviadas antes, durante e depois das eleições, por deputados federais.
Do outro lado alinhavam-se mais comerciantes, advogados e professores, numa aliança de diversos partidos, uma mixórdia total. O juiz de direito estava mais para essa coligação, embora não se manifestasse publicamente. A arraia miúda, os votantes, se repartiam entre as duas correntes políticas, conforme soprassem os ventos eleitorais, inflados por compras de votos, doações de cestas básicas, distribuição de senhas para consultas médicas, coisas assim, exercidas por todos os caciques políticos.
Havia um tradicional clube social na cidade. O Clube Estrela de Tabatoa ficava no centro, numa decrépita sede própria e há muito deixara de realizar bailes ou festas. O salão principal precisava de troca do assoalho, o telhado tinha goteiras por todos os lados e a fachada, enegrecida, necessitava de uma boa pintura. Para não dizer que estava completamente paralisado, registre-se que funcionava, sim, numa sala dos fundos, um carteado nos fins-de-semana, com a presença constante do juiz, apostando sempre contra o promotor. A birra entre os dois na barra do tribunal continuava na mesa de jogo.
Uma nova diretoria fora eleita no Clube Estrela. E passou pela cabeça de alguém que seria bom uma piscina, construída no terreno enorme da sede. A idéia foi bem recebida e a piscina ficou pronta em tempo recorde.
No dia da inauguração a comemoração foi uma festa que durou o dia todo. As autoridades foram as primeiras a chegar e a últimas a abandonar a festança. Uísque, cerveja e cachaça correram à larga. Os convidados aproveitavam ao máximo a boca-livre liberal e farta.
Pelas cinco da tarde, estava todo mundo alegre, sendo que alguns mais “alegres”. Foi quando um grave acidente aconteceu.
Na beira da piscina, o Juiz Tamer da Silva contava piadas que causavam boas gargalhadas da meia dúzia de ouvintes. Do outro lado, o promotor Roque Pinto fazia um pequeno comício para outra meia dúzia de ouvintes atentos. Foi quando, entusiasmado com as próprias piadas, o juiz desequilibrou-se e SPLASH! — caiu na piscina. Não sabendo nadar, começou a espadanar na água. A esposa, atarantada, começou a gritar.
— Acudam o Tamer! Socorro!
Quase ninguém entre os presentes sabia nadar, mas a perícia do promotor era conhecida por seus mergulhos no rio São Francisco.
— Pelo Amor de Deus! Façam alguma coisa! — Dona Rosinha continua a gritar.
Os companheiros do promotor pediram-lhe:
— Vai lá, Pinto, salva o Tamer.
O doutor Roque Pinto, que também estava zoando, olhando com pachorra para o local onde o juiz se debatia, procura serenar os espíritos:
— Calma gente!. Não precisa pressa. Ele não afunda não.
O juiz continuava a debater-se, foi ao fundo uma vez, voltou, botando água pela boca. Dona Rosinha grita para o promotor:
— Pelo amor de Deus, Dr. Pinto! Salva o Tamer.
Ao que o promotor responde, impávido:
— Ele não afunda não. MERDA NUM AFUNDA!
ANTONIO GOBBO –
BH, 15/SETEMBRO/2005
CONTO # 361 DA SÉRIE “MILISTÓRIAS”