SOBRE AS CORES DO DIA ANTERIOR

Depois da chuva que durou a noite toda e parte da manhã a caminhonete parou em frente ao portão na rua silenciosa. O motorista buzinou para avisar ao morador que estava esperando. O homem de certa idade abriu a janela de madeira pintada de verde da casa pintada de branco e pediu que esperasse um minuto, fechou a janela, pegou duas sacolas que estavam sobre a mesa, depois pegou o maço de cigarros e os fósforos e colocou no bolso da camisa. Saiu da casa encostando a porta atrás si sem se preocupar em passar a chave, caminhou pelo quintal com dificuldade por causa da lama e da idade, abriu o portão, saiu, encostou o portão e entrou na caminhonete.

- Não vai trancar a porta da casa e o portão? – Perguntou o amigo.

- Não há quase nada na casa, só história, e talvez sem importância.

- Aonde vamos?

- Na paróquia, vou levar essas sacolas para a caridade.

- O que tem nas sacolas?

- Carne, decidi não comer mais carne.

O motorista ligou o veículo e foram devagar pela estrada molhada.

- Depois da paróquia você vai trabalhar?

- Não há o que colher, nem mais o que fazer.

- Sempre tem alguma coisa pra colher ou fazer.

- Não, não tem nada.

- Insisto que sempre há o que colher ou fazer.

- Não insista, não há mais nada para salvar nesse lugar.

- Se pensa assim.

- É a realidade. Tudo foi feito em vão. Foi um engano.

- E você pretende ir a algum lugar depois da paróquia?

- Pretendo passar nas trincheiras e ver os resíduos.

- Nas trincheiras só tem mortos.

- E nós o que somos? Vivos? Você acredita que somos vivos?

Arnoldo Pimentel