352-DIA DE AZAR PARA UM TAXISTA--Um conto-do-vigário

Mais um dia como este e estou ferrado. — Remoendo os pensamentos, Januário roda com seu táxi, passando lentamente pelos pontos de ônibus e saídas de grandes edifícios, procurando passageiro. — Um que seja, apareça!

Um ônibus urbano pisca as luzes, alertando-o de sua aproximação por trás. — Porra, não dá nem tempo de ver se tem um freguês... Acelera e segue em frente. Está na Avenida Augusto de Lima, movimentada demais naquele fim de tarde.

Gente tem demais. Freguês mesmo, nada. Que merda! Passa em frente ao Fórum de onde saem dezenas de pessoas. Um homem acena para o taxista.

Opa! Lá vem o primeiro do dia! — Enquanto encosta o carro para apanhar o passageiro, Januário, com sua experiência de muitos anos na direção do táxi, observa e avalia o passageiro, assim que abre a porta traseira para que homem entre.

Saindo do fórum, bem vestido, terno bem assentado, gravata fina.. só pode ser advogado. E dos bons: a pasta estufada de documentos. E mais um pacote que parece ser um computador.

— Boa tarde, doutor.

— Boa tarde. Por favor, me leva até o alto da Afonso Pena. Vamos para a Telemar.

— Ok, doutor.

A corrida vai render. — Pensa Januário, enquanto observa o homem pelo retrovisor. Puxa conversa:

— Subimos a avenida e chegamos lá em cinco minutos.

— Está bem. Não estou com pressa.

O diálogo continua. Falam do tempo, do trânsito, depois o assunto deriva para a política, a corrupção, direitos humanos, cidadania, etc.

Entre perguntas e respostas vai confirmando sua primeira impressão sobre o ilustre passageiro. Distintivo da OAB na lapela, boa conversa...boa conversa...o homem parece ser da alta roda.

— Estou indo resolver um problema na Telemar. Por favor, encoste e me aguarde. Cuidado com o computador.

Januário faz como lhe é pedido.

Esta corrida vai me salvar o dia. — pensa o taxista. Enquanto espera, vai se lembrando do dia azarado que tivera. Antes de sair de casa, bate-boca com a esposa. De manhã, um pneu furado, trocado sob o sol intenso. Depois, nenhum passageiro até as quatro da tarde, quando pegou o Doutor, o primeiro do dia.

Cinco minutos depois, o ilustre passageiro retorna.

— Vamos para o Edifício Maleta. Tenho que entregar este computador.

— Tudo bem, doutor.

A conversa de alto nível continua. O taxista está satisfeito: o taxímetro já marca mais de cinqüenta reais e parece que a parada do Edifício Maleta não será a final da corrida.

Ao chegarem ao Maleta, o doutor tira uma nota fiscal do bolso, que desdobra e examina.

— Me espera aqui e fique de olho no embrulho do computador. — Recomenda ao descer do carro. — Vou ver se o comprador está na livraria.

Januário espera. O doutor demora a voltar. Cinco, dez, quinze minutos. Incomodado, Januário começa a pensar coisas. O taxímetro marca oitenta reais. Após quarenta e cinco minutos de espera, resolve que o ilustre doutor sumiu. Não voltará. Espera mais quinze minutos, pensando: Pelo menos, tenho o computador aqui.

Quando a espera completa uma hora, resolve abrir o embrulho. Fica surpreso com o que encontra na caixa de um computador.

Mas...puta que pariu...São tijolos!

ANTÔNIO GOBBO –

BH, 30 DE JULHO DE 2005

CONTO # 352 DA Série MILISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 05/08/2014
Reeditado em 05/08/2014
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