Vitrine.

Era, ou melhor, estava uma criaturinha mirrada, esquálida, daquelas que chegam rastejar de fraqueza em certos dias. Seus fios haviam se ressecado, assim como a pele, e agora se desprendiam da cabecinha ossuda tufos negros e quebradiços,que deixavam aqueles pontos calvos esbranquiçados.Uma figura desconcertante.

Na ocasião se sentia disposta, e, carregando o celular da moda, se encaminhou à geladeira para tomar o quinto copo do dia daquele preparado de alecrim e hortelã, o qual a internet lhe havia dito emagrecer!

A mão esquerda era ágil, e, com os dedos de unhas moídas, se comunicava com amigos virtuais, já que os “de fato” a haviam abandonado alegando teimosia e agressividade por conta de suas sugestões de tratamento! A mão direita segurava meio trêmula o copo.

O diurético e as vitaminas haviam acabado (ela ouviu falar de escorbuto, e decidira que seus dentes eram um belo enfeite para seu rosto, valia à pena mantê-los) e era quase hora do almoço, então procurou o quarto, notou no espelho de corpo inteiro algumas manchas arroxeadas espalhadas sobre a pele, mas fora isto, suas medidas quase a contentavam.

Sorriu se escorregou para dentro do vestidinho florido favorito e calçando a sandália de couro trançado, terminou seu ritual se maquiando, apanhando a bolsa saiu.

O percurso era costumeiro, cruzando com os mesmos semi-conhecidos de olhar estranho e acusador, e ela já não se importava mais com isto!Realizou o itinerário com apenas uma ou duas vertigenzinhas, bolsa inda mais cuidada agora com aqueles seus remédios, e o celular sendo molestado pelo polegar descarnado e frenético, marcando na rede sua estada em qualquer lugar que considerasse popular.

Sentiu o cheiro da comida se avizinhando, sofreu ânsias de vômito, mas continuava resoluta!Pediu mesa, água para seu remédio, e já ofereceu gorjeta antes de lhe entregarem o cardápio.

Devia ser assim sempre, o dinheiro tornava as pessoas amistosas.

Olhou num prato, e outro, mas não havia nada de tão impressivo. Esperou um pouco, cobrindo as narinazinhas sofridas com um lenço perfumado.Tentava dissipar o cheiro do ambiente.

Um homem bem vestido, solitário, se sentou um pouco distante. O trato e sorrisos da garçonete disseram que era pessoa refinada.

Trouxeram-lhe o prato mais requintado do lugar, e ela já se via levantando para se apresentar.

A cena foi tão constrangedora quanto sempre. Era seu dom causar surpresa!

Estendeu a mão, disse seu nome, e se encurvou para beijar o rosto do homem, enquanto pedia emprestado o prato para uma foto.

O hálito de fome lho agrediu o estômago, e ele perdeu o apetite. Insistiu, meio desconcertado, que ela comesse, mas aquele “quase cadáver” dizia que estava de regime.

Ela lhe ofertou almoço, só queria a foto, mas preferia não pagar pela mesma e vê-la indo parar no lixo.

-Há muita gente passando fome, e acho que desperdiçar comida é pecado!

A garota achou melhor deixar o homem à vontade. Se despediu, virou as costas enquanto postava eufórica a foto de “seu almoço” no Instagram.Todo mundo iria morrer de inveja!

Anderson Dias Cardoso.

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