A partida
Arrumou suas coisas. Sabia que ir embora jamais seria a melhor alternativa. Sabia que não era uma saída inteligente e que mais parecia outra fuga desesperada. Há anos só fazia fugir de si mesma e de suas crises interiores. Há anos tentava entender as coisas que se passavam em seu coração. Em vão. Há anos preferia fingir que tudo estava bem, ou, se não estava, logo ficaria.
Não era mais uma adolescente, mas por muitas vezes ainda agia inconsequentemente como uma. Já era mãe de duas crianças lindas, mas jamais deixara de ser a filha. A filha, em seu quarto e suas paredes rosadas. A filha e suas bonecas, com quem brincava de mamãe e bebê. Mas a vida é um pouco mais séria que uma brincadeira de bonecas. A vida é um pouco mais exigente. E ela não deixava de ser a filha, garotinha mimada do pai, que corria para o seu colo em busca de proteção e segurança ao menor risco de perigo. A filha, com dois filhos para criar. E isso era confuso. Confuso, mas ela não desejava se libertar.
Tinha algumas mágoas na vida. Como de sua mãe, que julgava não ter sido a melhor das mães. Não ter sido a mais presente ou a mais preocupada. Não ter sido a mais amorosa ou a mais atenciosa. E, por incrível que pareça, dessas coisas da vida que não se entendem, ia-se tornando tal qual como sua mãe. Ia repetindo os mesmos erros, as mesmas atitudes, a mesma distância, que tanto sentira doer em seu coração... ironia das ironias.
Fez do marido uma espécie de pai, mais que de seus filhos, dela mesma. Um faz tudo, que a ela tentava exaustivamente agradar. E nunca estava de seu gosto, nunca era suficiente. Por mais que fizesse por ela e pelas crianças... Por mais que se esforçasse... Ela sempre queria mais. Como a maioria das mulheres sempre o faz bem. Mas, que a maioria também com o tempo e amadurecimento, percebe que é um pouco demais e o quão injusto é cobrar o que não se pode dar. Ela não dava, só cobrava. E não percebia o desengano.
A insatisfação foi crescendo. Só cresceu. E ela jamais percebeu que era só sua. Sua e demais ninguém. Não percebeu que quem muito exige corre o risco de nunca dar-se por contente. Não percebeu que ser alegre independia de pessoas outras e que a tristeza era uma característica absolutamente ligada ao mais íntimo de seu ser. Ele não tinha nada com isso. Mas ela iria mesmo assim.
Ir embora era a solução imediata que encontrou, para silenciar a voz dos fantasmas que a vinham atormentando, ultimamente, com tantas dúvidas e inquietações.
Ir embora, como se em algum lugar que não fosse dentro de si mesma pudesse se encontrar.