Operária

Horário de término de expediente. São dezessete e meia da tarde, por todos os lados pessoas abrem suas portas, e adentram suas casas. As crianças chegam da escola e invadem as ruas para brincar. O Bar do Tião já vai abrir e logo se encherá de conversas, músicas, de doses de pinga. Essa é uma paisagem comum, até que deparo-me com outra.

Vi outros olhares pela janela de um ônibus que passava, olhares que me fizeram embalar nas suas feições. Foi contagiante! A tristeza, a desesperança, o tédio e a impaciência que impregnavam os olhares daquelas mulheres, confesso, infiltraram-se em mim. Todas usavam o mesmo uniforme; operárias. Mesmo o sol tímido e quentinho do fim do dia em seus rostos não era capaz de lhes amenizar o semblante apático. Uma visão desencorajadora.

Então me surpreendi, quando, ao virar a esquina, vinha em minha direção uma das mulheres do ônibus. Usava uma camisa larga de coloração bege acompanhada de uma calça grossa e larga de mesma cor, e também um par de botinas. Seu andar perdera feminilidade, essa mulher perdera outros detalhes também, o cabelo preso, porém ainda desgrenhado, era loiro oxigenado.

Entretanto, seu semblante diferenciava-se do das outras mulheres, parecia decidida, sem rumo, mas decidida a algo. O olhar fixo, ainda encorajado, e em uma de suas mãos um cigarro. E em passos firmes, mas desleixados, andava a dar uns tragos.

Quando passou por mim não pude deixar de olhar novamente, mais atentamente. Aquela mulher merecia ser representada num quadro, era a resistência apoiada num vício, era a resistência à maré dos opressores, do sistema, não perdera a chama da busca, da malandragem, da curiosidade, ainda persistira. Persistira, mas em quê?

Liz de Flor
Enviado por Liz de Flor em 28/07/2014
Reeditado em 22/12/2014
Código do texto: T4899856
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2014. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.