Som na Caixa (EC)
 
Sentada no tapete, Meredith vê a avó embalar os presentes para o aniversário de outro neto. Começam as perguntas, infinitas naquela idade, mas que cessarão um dia sem que ninguém saiba porquê.
- Vovó, tudo pode ser embalado?
- Como assim? Tudo que está nesta sala pode ser embalado.
Meredith, processa com olhos arregalados tudo que tem na sala: o tapete, a poltrona, o sofá, as almofadas, a mesa de centro e a estante com coisas.
Não conformada, pois criança nunca se conforma com a primeira resposta, volta ao ataque:
- Mas vovó, a porta, as janelas, as lâmpadas, as paredes... Tudo, tudo?
- Sim. Só que para embalar as paredes, a casa precisaria ser quebrada.

Meredith confirma com um longo hum... e pensa em voz alta:
- Então até nós podemos ser embaladas. Que nem o gato da Melanie, que virou roseira depois que foi colocado numa caixa de sapato e enterrado no jardim!
- Isso mesmo, minha filha. Respondeu a avó, para quem todos os descendentes são filhos, até os filhos dos filhos.
Passou-se um tempinho e mais um presente ganhou laço, com o dedo indicador de Meredith apoiando a fita, antes da próxima pergunta.
- Vovó, com todo respeito, tudo, tudo pode ser embalado? Mas tudo, tudo mesmo?
- Sim. Tudo pode ser embalado hoje em dia. Lembra-se de quando você era pequena e tinha uma bombinha que colocava na boca para respirar melhor? Pois bem, aquilo era uma espécie de ar embalado. Pegue aquele baú de cima da cômoda e traga pra vovó!

Meredith, que achava um privilégio entrar no quarto da avó, foi correndo. Dentro da caixa havia várias caixas menores. Uma de papelão dobrado com doze palitos de fósforos. Uma caixinha redonda tinha pó com um pompom para se empoar (assim a vovó falava). Uma caixinha com um frasco de perfume. Havia também a caixinha em formato de coração que numa ocasião muito rara Meredith segurou na mão e agora estava sendo aberta pela vovó. Da caixinha de coração saia um melodia chata, daquelas que se aprendia na aula de música, mas que enchia de lágrimas os olhos de Dona Guíta, avó de Meredith, de quem até o nome era antigo.
Ouviu até o fim, com afeição e respeito, a história contada sobre aquele presente dado pelo finado avô Francilino, quando ouviu um pequeno estrondo, que deu ideia à próxima pergunta:
- Vovó, desculpe perguntar de novo, mas tudo, tudo mesmo pode ser guardado numa caixa?
- Sim. Minha filha. Tudo que você imaginar. Está vendo ali na parede aqueles dois quadros? Na verdade são duas caixas de som que aumentam a voz que sai da televisão para que a vovó possa escutar. Que nem o “J Jay” que foi contratado para o aniversário. Se você pudesse escolher um som para embalar e dar de presente ao seu mano, o que seria?
Meredith, encabulada, mas vencida pela sinceridade, falou:
- Uma caixa de "pum". Mas sem cheiro. Só o som na caixa!


 
Este texto faz parte do Exercício Criativo SOM NA CAIXA
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