Manga Rosa

Todas as tardes, depois da aula, a molecada se reunia para chupar mangas. Chegavam em turmas ou sozinhos. Alguns subiam no pé, outros atiravam mangas verdes para derrubar as maduras, cada qual com sua habilidade. Eu preferia atirar mangas verdes porque pouco me importava se as mangas verdes que eu apanhava poderiam amadurecer ali no baixo e serem apanhadas facilmente... pelas vacas, que sempre estavam ali. Minha meta eram as maiores e mais madurinhas que, por lógica, estavam no mais alto, dado o grau de dificuldade em apanhá-las. Cada um, tendo a fruta em posse, saboreava aquele troféu de modo particular. Uns arrancavam a casca com os dentes, outros amassavam a fruta e faziam um furinho por onde sorviam o líquido, tinha até aqueles que possuíam algum objeto cortante cuja finalidade era somente descascar as mangas. As minhas, eu chupava com muito gosto e apreciação. Por vezes, o caldo escorria pelas mãos e braços; então, lambia as partes para aproveitar ao máximo daquele prazer. Ríamos, falávamos sobre assuntos de criança (porque, naquela época, as crianças eram crianças). Às vezes, fazíamos amizades que durariam somente aquela tarde mas o que queríamos mesmo era isto: aproveitar o momento. Não tínhamos outra preocupação a não ser as mangas. Nada de cartão de crédito, boletos a vencer, IPVA a pagar ou coisas do gênero. Não tínhamos celulares, watts app, facebook e tudo o mais. Nosso relógio era o sol. Finda a tarde, cada um voltava para sua casa, feliz e satisfeito, na expectativa de amanhã voltar para chupar mangas. Mas a gente envelhece e afunda-se nas exigências da vida e nunca mais tem tempo para chupar mangas no pé; esporadicamente, uma ou outra comprada na feira mas sem o mesmo sabor e a mesma beleza daquelas. Mergulhado nesses pensamentos, dirigia-me ao local onde o evento maravilhoso de chupar mangas acontecia, pois desde então nunca mais fui lá. Quanto mais me aproximava, maior era aquela sensação gostosa de infância, deliciosa infância com gosto de manga. Tal foi minha surpresa quando cheguei ao meu destino: o pé de manga não estava mais lá. (Poderia ter terminado essa frase com um ponto de exclamação mas, com o tempo, nada mais nos impressiona.) O pé de manga deu lugar a uma construção, essas conveniências de gente grande. Mas ele ainda continua vivo dentro de mim, imenso, rosa, doce, inquebrantável.

Antônio Carlos Policer
Enviado por Antônio Carlos Policer em 27/07/2014
Reeditado em 29/06/2016
Código do texto: T4898602
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