321-ANJO DA PRAIA -Tsunami-26.12.2004

A aula corria com a preguiça das últimas aulas de fim-de-ano. A geografia, matéria lecionada pelo professor Andrew, já tinha sido estudada e revisada no final do segundo semestre de 2004. O tédio estava tomando conta dos alunos da classe.

Preciso animar a turma, pensou o professor de geografia da pequena escola de Oxshott, no sul da Inglaterra. Levanta-se da cadeira, abre os braços, dramaticamente, e diz em voz alta:

— Tsunami! Alguém aí sabe o que é?

Pegos de surpresa, os alunos entreolharam-se e ficaram mudos. O professor tenta animar a turma. Escreve no quadro a palavra com letras grandes : T-S-U-N-A-M-I.

Um garoto atreve-se a uma resposta:

— É o nome de alguma cidade na China?

— Errado! Alguém mais quer dizer o que significa? Não é nome de cidade nem de acidente geográfico. Vamos, pessoal!

Apenas algumas cabecinhas loiras movimentaram-se, porém nenhuma resposta mais.

— É uma onda gigante! — Falou em voz alta, ao mesmo tempo em que caminhava animadamente entre as carteiras. — Uma onda tão grande que poderá avançar por sobre as praias e terras das ilhas e continentes com uma terrível força destruidora.

Tilly, esguia garota de dez anos, cabelos loiros quase brancos, animou-se com as últimas palavras do professor.

— Uma onda gigante? Gigante como? É muito alta?

— Sim, uma onda muito alta. Poderá atingir dez, vinte metros de altura.

— Mas de onde vem essa onda? Por quê?

As perguntas surgem dos quatro cantos da sala. Os alunos ficam interessados pois é um assunto do qual nunca haviam tido informações. O professor passa a descrever a temível ameaça de um “tsunami”

— É uma onda que se origina do meio dos oceanos e se propaga em direção aos continentes com uma força avassaladora. Poderá elevar-se acima de dez metros e atingir uma velocidade de mais de cem quilômetros. Imaginem a força dessa descomunal massa de água, elevando-se sobre uma praia!

— E onde acontece esse tal de tsunami?

— Ainda não pode ser prevista, pois sua origem é no fundo dos oceanos. Um terremoto profundo é a causa da formação da tsunami.

— Já aconteceu algum tsunami?

— Não existem registros de tsunamis, tal como os cientistas prevêem. . Mas pode ser que tragédias antigas, como o grande dilúvio narrado na Bíblia, ou a destruição da Atlântida, tenham sido causadas por ondas deste tipo.

Tilly se mostra mais interessada. Irá passar as férias de fim-de-ano numa praia na Tailândia, e a notícia de uma tal onda a deixa com medo.

— E não existe como se defender dessa tsu...tsunami?

— Não há como se defender de uma força tão poderosa. O jeito é fugir.

— Mas fugir... pra onde?

— A partir do momento em que o mar começar a recuar para que a onda se levante — e vai recuar muito, abaixar demais — há um período de pelo menos dez minutos para correr. Fugir. É só o que se pode fazer quando o tsunami chegar.

<><><>

Praia na ilha de Phuket, Tailândia, 26 de dezembro de 2004. Um mês após a aula sobre o Tsunami, e cerca de 10.000 quilômetros de distância de Oxshott. Tilly está vermelha pelos efeitos dos raios solares, apesar dos cremes e loções para evitar queimaduras. Sua alegria é completa, usufruindo as férias numa praia tropical. O sol é quente, e a menina, bem como sua mãe, ficam constantemente sob as sombras das palmeiras ou no abrigo da sombrinha de praia.

É uma praia pouco freqüentada. Cerca de cem turistas estão espalhados pelas areias, ou caminhando , indo ou vindo do único hotel local, pequeno e confortável.

A manhã estava muito quente. O céu, sem nuvens, era de um azul cobalto profundo. Havia algo no ar parado. Não se ouvia o barulho dos periquitos que usualmente voavam entre os coqueirais. Paira sobre tudo um silêncio sinistro.

Tilly estava na orla da praia, a cujas areias as ondas chegavam suavemente. Mas notou que agora as ondas chegam estranhas, com borbulhas grandes. Prestou atenção.

— Mamãe, olha como o mar está esquisito. Parece estar fervendo.

Foi então que o mar começou a recuar, recuar, recuar. Pela mente de Tilly atravessou a explicação do professor Andrew... “do momento em que o mar começar a recuar para que a onda se levante...um período de 10 minutos ...para fugir...”.

Um grito saiu da garganta da garotinha, instintivamente.

— Mamãe! É grande onda! Vamos, vamos fugir!

A mãe não compreendeu o que a filha estava dizendo. Ficou por alguns momentos olhando o grande recuo do mar.

— É o Tsunami, mamãe! A Onda Gigante! Vamos avisar o pessoal da praia. Dez minutos. Temos só dez minutos.

A mãe finalmente se deu conta de que algo terrível estava para acontecer. Levantou-se e saiu correndo, gritando para os turistas na praia. O silêncio era tão grande que as vozes das duas ecoavam longe e quase todos os banhistas as ouviram. Mesmo os que não ouviram os avisos, ao notarem a debandada, correram também, pelo instinto de acompanhar o grupo. Ao passarem pelo hotel, Tilly e a mãe avisaram o pessoal, e continuaram na fuga, em direção a um outeiro, que se erguia a alguma distância da praia.

— Temos de chegar até lá em cima! — gritava a menina, animando os companheiros. — É a onda grande. O tsunami.

A maioria não sabia do que se tratava. Mas o mar recuando sempre, colocando a descoberto uma faixa de terra de dezenas de metros, era prenúncio de alguma coisa desastrosa.

Correram pela estrada estreita que levava ao topo da colina altaneira a cerca de trinta metros de altura. Alguns turistas se cansaram na subida, e foram ajudados pelo pessoal do hotel, que vinha numa leva retardatária. Enfim, todos chegaram ao topo em breves minutos, a tempo de poderem presenciar o desenrolar da tragédia.

Viram a formação da super-onda, mar adentro, a cerca de um quilômetro de distância. A água foi se elevando, elevando, elevando. Metro a metro, chegando à altura de, talvez, vinte metros. Aproximando-se da terra, a muralha abateu-se com um estrondo insuportável sobre a faixa de areia. As palmeiras foram arrancadas e arrastadas terra adentro. O hotel de três pavimentos foi submerso no primeiro momento e depois reapareceu, completamente destruído. As árvores, o material que estava na praia, os destroços do hotel, os veículos, tudo misturado com a água do mar, vinha na direção do pequeno monte, o local mais elevado das imediações.

Os turistas e o pessoal do hotel gritavam uns, choravam outros. Tilly abrigara-se sob os braços da mãe. Muitos pensaram que a grande onda iria atingí-los, ali no topo. Desesperados, agarravam-se uns aos outros. Escondiam as cabeças nos ombros solidários dos companheiros, na tentativa de não presenciar a tragédia.

A força da onda arrastou a água e os detritos até a falda do pequeno monte e elevou-se por alguns metros. O tempo parecia ter parado enquanto a força descomunal do tsunami tudo destruía na sua avassaladora passagem. Durou uma eternidade até que aconteceu o refluxo. Com a mesma intensidade com que investiu sobre a terra, o mar recuou. As águas levaram consigo os destroços da catástrofe que haviam causado em terra. Por mais duas vezes, com intensidade diminuída, o mar avançou sobre a terra, até que, finalmente, serenou.

A maior tragédia já registrada nos anais da história, motivada por forças naturais, causou quase meio milhão de mortos e desaparecidos no sudoeste asiático, Sri Lanka, sul da Índia e na Somália. Nenhuma previsão do tsunami tinha sido feira pelos serviços meteorológicos, e, por conseguinte, nenhum alerta fora emitido. As únicas pessoas que conseguiram ser avisadas e conseguiram se pôr a salvo da tragédia foi o grupo de turistas e pessoal do hotel de Phuket, amontoadas na elevação.

Graças aos avisos de Tilly, a menina inglesa que, por sua presença de espírito e sua solidariedade, ficou sendo conhecida como “O Anjo da Praia de Phuket”.

Antônio Gobbo –

belo Horizonte, 5 de janeiro de 2005

Conto # 321 da série Milistórias -

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 21/07/2014
Código do texto: T4891026
Classificação de conteúdo: seguro