319-DOMINGO NO CIRCO-Drama

— Pai, a gente vai pro clube?

— Não, Zezinho. Hoje vamos ao circo.

— Oba! Quero pipoca e xupe-xupe.

Sobem no ônibus. Zezinho passara a manhã meio macambúzio. Estava com saudades do pai, que faz duas semanas não vinha buscá-lo para o passeio de todos os domingos.

— Mãe, será que o pai também num vem hoje?

A mãe não responde. Olha para a o filho, para Melena, a filhinha de três anos e sente uma angústia sem explicação.

O garoto, de sete anos, anima-se com a chegada do pai. Saem rapidamente, pois o menino já estava de roupa trocada e tênis limpo. Geralmente, iam para o Grêmio Esportivo, clube popular no bairro da populosa capital, onde Zezinho podia nadar na mesma piscina com o pai, comer cachorro-quente com guaraná. Era tudo o que o garoto desejava na vida: passar o domingo na companhia do pai, que compensava a ausência com brincadeiras e deixando que o filho fizesse algumas estripulias.

O ônibus dá uma volta pelo quarteirão, passando defronte à casa modesta onde moram Zezinho com a mãe e a irmã mais nova, de cinco anos. Levanta a cabeça para ver as duas na porta da casa. Abana a mão e ri para elas. A irmãzinha queria sair com o pai, mas não estava pronta e o pai, com pressa, não esperou pela garota. A mãe está barriguda, grávida de seis meses, não sai muito de casa. Vivia da modesta pensão que o ex-marido lhe pagava mensalmente.

O circo Irmãos Karakan estava armado numa praça do outro lado da cidade. Após trinta minutos de percurso, o ônibus pára no ponto final, quase ao lado da entrada do circo.

— Venham todos! Não deixem de vir. Hoje! Últimas apresentações do Circo Karakan. — Pelos alto-falantes, o convite animava a multidão. A fila era grande. Ao chegar à bilheteria, os ingressos para as arquibancadas já haviam terminado.

— Então, me dá duas cadeiras. — Pediu o pai de Zezinho. Do pequeno bolo de notas separou dez cruzeiros, o preço das duas entradas.

Na porta de acesso, comprou pipoca e xupe-xupe, conforme o filho queria. Como sempre, o espetáculo começou atrasado. Os assistentes, impacientes, gritavam:

— Queremos o palhaço! Queremos o palhaço. — Zezinho ajuntava sua voz fininha ao coro.

Era um circo de variedades. Palhaços, malabaristas, uma dupla de cantores repentistas, mulheres entrelaçadas com cobras imensas e o homem que cuspia labaredas. Dançarinas de trajes minúsculos saltando sobre cavalos em selas coloridas. Assim transcorreu a primeira parte.

— Aproveitem o intervalo para visitarem os animais que vão aparecer na segunda parte deste magnífico espetáculo! — Convidou o diretor do espetáculo. — Voltaremos dentro de vinte minutos, com mais surpresas para todos.

Em uma enorme jaula, de três metros de largura por quatro de comprimento, e dois de altura, quatro leões andavam de um lado para o outro, inquietos, soltando urros de vez em quando. Bongo, Simba e Xamã tinham quase o mesmo porte e pesavam, igualmente, em torno de 200 quilos. O maior deles, Zumba, pesava 220 quilos e tinha o porte altaneiro.

As grades de grossas barras de ferro, separadas em intervalos de quinze centímetros, ofereciam segurança. Uma corda estendida precariamente a um metro do chão, amarrada em ripas e cabos de vassoura, mantinha os observadores não muito distantes da jaula.

Ninguém viu nem sabe explicar a causa do que se seguiu. Zezinho talvez tenha se descuidado ou inclinado na direção das grades. Foi quando Zumba deu-lhe um golpe com a pata direita, através da grade. Com uma destreza incrível para um animal de tal porte, enlaçou o menino, puxando-o para dentro da jaula.

— Ai, pai! — Zezinho falou baixinho. O pai se virou e viu a trágica cena: puxado violentamente pelo leão, os ossos do garoto se quebraram ao passar entre as grades. Um braço foi arrancado e devorado. Outro leão se aproximou e mordeu o pescoço do menino. O corpo do garoto, que já era uma posta de carne ensangüentada, foi literalmente dilacerado pelas duas feras. Os outros animais não se atreveram a entrar na disputa.

— Foi tudo tão depressa. Instantâneo. – Afirma um dos assistentes. Surgiram dois policiais armados e atiraram nos animais, matando os dois, em cujas bocas ensangüentadas foram encontrados restos das roupas e do tênis de Zezinho.

O pai não teve coragem de retornar à casa da ex-esposa, para narrar o acontecido. A mãe, quando soube, caiu em desespero. Não se conforma e tem certeza de que tudo aconteceu por displicência do ex-marido.

O último espetáculo do circo foi cancelado. Na segunda-feira, desmontado e colocado em caminhões e carretas, deixou a cidade.

ANTONIO GOBBO – BELO HORIZONTE, 28 de dezembro de 2004

CONTO # 319 DA SÉRIE MILISTÓRIAS – 777 PALAVRAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 21/07/2014
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