UM CONTO PARA O FUTURO

Aquela era a ultima casa da rua . O grande portão de ferro com correntes enormes e cadeado pesado protegia a velha estrutura enquanto as raízes que escalavam as paredes cinzentas da morada afastavam os curiosos . O caminho que levava até a porta da frente era forrado por folhas secas e coberto por galhos que se pareciam com assustadoras mãos prestes a lhe agarrar . Os mais antigos contavam historias sobre a casa , sobre os antigos donos , cujo o pai se auto intitulava Embaixador de Satã na terra .

Eles diziam que durante as noites de lua cheia ouvia se choro vindo da casa e vultos negros escorriam pelas janelas do sótão enquanto a rua toda ficava tomada por um forte cheiro de cemitério …

- Tio , como é cheiro de cemitério ?

Minha sobrinha curiosa sempre me interrompendo .

Agarrada a sua girafa de pelúcia cutuca minha barriga querendo saber o que são vultos . Apago a luz do quarto e acendo seu abajur . Com a mão faço um borboleta na sombra .

- Isso , digo a ela , é um vulto .

- Não , nada disso , isso é uma borboleta .

- E se for um morcego ? Você sabe o que dizem , não é ? Morcegos são pombas do diabo .

Ela , minha sobrinha de cinco anos franze a testa e diz que estou mentindo .

- É verdade , juro por deus .

Ela acende a luz novamente e pergunta sobre o cheiro de cemitério .

- Bom , cheiro de cemitério ...bom , sei lá . Vela , já sentiu cheiro de vela , de cera queimando , não ? Pois bem , esse é o cheiro da morte .

A pequena Ester me estica o dedo para mostrar a queimadura que fez apagando o fogo de uma vela .

- Você deve assoprar , não agarrar o fogo , pequena .

A enfiei debaixo do cobertor e perguntei se queria saber o final da historia . Disse que não , que eu estava inventando tudo .

- Você é um mentiroso , tio .

- Aproveite enquanto sua virtude é ser inocente , bebe . Porque quando crescer , e não precisa de muito , lhe dou cinco ou seis anos , seu mundo vai começar a desmoronar como o pé de feijão de João .

- O que esta falando para menina , Oliver ?

Essa é minha irma , Aline , me pegando no pulo enquanto preparo a pequena Ester para o mundo que a espera .

- Não de ouvidos a seu tio , filha . Ele vive num mundo aparte . E afinal de contas , o que ele lhe contou ?

A pequena falou sobre a casa e os portões . Terminou com as pombas do diabo . Levei um tapão nas costas de Aline .

- Por deus , Oliver , ela só tem cinco anos ! Pare de lhe contar esses absurdos .

Saímos para deixar la dormir .

- Quer que deixemos a luz acesa ? Perguntou minha irma .

Ela preferiu apagada .

Na sala acontecia uma algazarra . Havia bebidas e cigarros e jogatina . Não sei bem o que jogavam , mas envolvia cartas e apostas . Provavelmente uma duzia de pessoas comemorando meu aniversario . Quem eram pouco importa , porque não conhecia noventa por cento dos rostos ali . Com exceção de Aline, minha irma ; Frido , meu cunhado e Carlo , meu editor na D.S.T . E foi esse ultimo que ao me ver propôs um brinde .

- Ai esta , o grande homem da noite ! Um brinde ao mais singelo e fiel amigo que jamais terei !

Todos levantaram os copos em direção ao centro da mesa , sobre o monte de carta eles brindaram .

Salud !

Um dos que eu não conheço se aproxima com dois copos nas mãos , me entrega um depois de um forte abraço . Homem , trinta e cinco anos , careca e fedendo a fumo de corda .

Olhando nos meus olhos e com um largo sorriso no rosto ele diz :

- Você é um grande filha da puta , um grande filha da puta é o que é !

Eu e ele brindamos a isso . Depois o homem diz que quer apresentar uma pessoa .

- Minha filha , a menina é uma grande fã sua .

- Fã minha ?

- Claro que sim . Ela o venera !

Pelo braço ele me puxa até um canto , na verdade me leva até uma das jogadoras .

- Querida , olha só , é ele !

Uma jovem com quinze anos de cabelos vermelhos e aparelho nos dentes emerge do meio de dois borrachos para saltar nos meus braços . Retribuo o abraço , mas não tão forte como o dela . Ainda agarrada a mim diz que leu todos meus contos e outras porcarias , e foi assim mesmo que ela falou , porcarias . Quando me solta apanha o copo de bebida da minha mão ( acho que era rum ) e toma um trago . Depois pergunta se tenho cigarro . Olho para o seu pai que esta bem ali do lado .

- Manda bala meu chapa , não ligue para mim Enquanto ela não estiver usando drogas tá tudo legal.

Penso um pouco , chego a botar a mão no bolso mas digo que não tenho .

- Foi mal .

Hey , sera que não tem musica nessa festa ? ! Vamos botar pra quebrar aqui ! Diz alguém na mesa . Fido meu cunhado se levanta e vai até o som . Começam os palpites , os pedidos . Na duvida Fido pede para mim escolher algo .

- Johnny Cash , falo .

- Quem ?

Pergunta essa garota morena de blusa xadrez sentada no colo de quem imagino ser seu marido ou coisa assim .

A ignoro ao mesmo tempo que admiro seu belo rosto de índia .

- Grande pedida , camarada , fala Fido botando Ghost Riders in the Sky .

A filha do homem muito minha fã esta matando meu copo quando tiro ele da tua mão .

- Pega leve ou vai dormir no banheiro essa noite.

- Você autografaria uma coisa para mim ? Pergunta a menina , alegre .

- Autografar ?

Ela vai até o sofá e mexe numa bolsa , de dentro tira um exemplar da D.S.T e me entrega junto de uma caneta . É a primeira edição , ainda em preto e branco e impresso em papel jornal . Ela abre a revista e folheia até encontrar um conto intitulado Prostíbulo Zumbi que escrevi baseado no filme DeadGirl

- Gostou disso ?Pergunto .

- Acredito que seria uma grande ideia de se conseguir dinheiro num mundo onde todas as mulheres estão mortas em busca de cérebro .

Ela toma o copo da minha mão outra vez e termina com ele . Assino no canto superior da pagina .

- Bom , qual o seu nome para que eu possa botar aqui ?

- Raquel , responde .

Escrevo :

Para minha primeira fã Zumbi

Raquel .

P.S., tente não perder a cabeça .

Com um beijo quente no rosto recebo seus agradecimentos . .

- Cereja , eu digo .

- Oque disse ? Pergunta Raquel .

- Você tem cheiro de cereja .

Ela abre aboca e solta seu bafo no minha cara .

Diz que é a pasta de dente que anda usando . Mas do seu halito não sinto nada de cereja, mas sim o fedor de cigarros e álcool .

Minha irma interrompe nosso papo chamando pela garota .

- É sua vez , mocinha . Vai apostar ou correr ?

E la se vai Raquel novamente para mesa . Leva consigo o copo que se apressa em completar com vodka logo que se junta aos outros jogadores . Carlo meu editor me chama na cozinha .

- Hey , venha até aqui , Oliver , trouxe algo especial para você .

Na cozinha , sobre a mesa , Franny e Zooey de

J.D Salinger .

- Sabe o trabalho que tive para conseguir isso ? Diz Carlo apontando para o livro .

- Teve de ir até uma livraria ?

Apanha o livro e o abre , na contra capa tem um rabisco .

- Esta rasurado , e dai ?

Ele pede que eu olhe bem , e quando o faço continua sendo uma rasura . Identifico um D .

- Esta vendo só com sou seu amigo , Oliver .

Permaneço mudo .

- Meu chapa ,é uma copia autografada pelo autor !Pelo próprio Salinger !

Agradeço e finjo estar emocionado . Não digo nada sobre a edição ser recente , tão recente que seria preciso de uma sessão espirita para conseguir a assinatura do mesmo . A geladeira se abre nos dando um susto .

- Mas que porra é essa ! Diz Carlo assustado .

Eis a pequena Ester .

- Hey , pequena , o que está fazendo fora da cama ?

Olho no relógio da parede , são onze e meia . Digo isso a ela . Esta vestida em seu pijama com figuras de animais e descalça .

- Não consigo dormir , diz ela , apanhando um pedaço de chocolate .

Fecho a geladeira e a levo no colo . Seus cabelos escuros tem um cheiro bom , cheiro bom de bebe .

Seus incríveis olhos azuis traçam meu futuro como

tio super protetor .

Quando crescer , penso , vou precisar afastar os calhordas do seu pé . Talvez precise de uma arma .

- São esses animais na sala que não deixam minha pequena dormir ?

Com o rosto amassado pelo travesseiro e olhos murchos faz que não com a cabeça .

- Então o que foi ?

- O que tinha na casa ?

- Mas que casa ?

- A casa da historia , dos morcegos e cadeado . Tio , o que tinha la ?

A levo de volta para cama , a cubro e boto o chocolate em sua mesinha de cabeceira .

- Tio .

- Sim .

- Que marca é essa no seu braço ?

Ela se refere a uma marca de mordida . Uma marca de mordida sua quando era ainda mais pequena .

- Você arrancou um bocado do meu sangue esse dia .

Ela ri um sorriso gostoso e sonolento .

- Então , tio , o que acontece , o que tem na casa ?

- Quer saber de uma coisa , deixa pra lá a casa .

Apanho um dos seus livros no seu armarinho . Pergunto se ela já leu esse .

- Não sei ler .

- Quer que eu leia ?

Se aconchegando com as mãos sob a cabeça , deitada de lado para mim diz que sim .

- Ta legal , só não vai me deixar falando sozinho aqui. Nada de dormir , hem ?

Já com os olhos fechados faz um hum , hum distante .

- Pois bem . Era uma vez …

17/07/2014

12H53M

Cleber Inacio
Enviado por Cleber Inacio em 17/07/2014
Código do texto: T4885506
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