Irracionalidade
“Quando você vai chegar aqui?”
Era isto que estava escrito em uma mensagem no Facebook de Carla. Flávio havia conseguido descobrir sua senha. Usou um programa indicado por um colega, instalou no seu computador e, quando ela digitou, entregou sua privacidade a ele sem saber. Outras privacidades. Mas o que motivou Flávio a realizar tal ato de qualidade e uso questionável? Veja você, eles são um casal. Isto já é informação suficiente para que possamos entender. Não aceitar, mas entender. A questão é que, os detalhes as vezes nos ganham. Nesse dia em questão era o aniversario de casamento deles dois. Estavam juntos a mais de 5 anos e o casamento estava começando a dar sinais de desgaste. Nada grave, que tenha que ser resolvido com sessões terapêuticas em conjunto, o que geralmente não resolve. Mas era um sorriso um pouco forçado aqui, uma mentira irrelevante ali. Acabou que a tendência a paranoia de Flávio se sobrepôs ao seu bom senso. Ele sabia que Carla, a mulher com quem ele casou, teve dois filhos, passou seus momentos de intimidade, tem conhece ela e ela o conhece tão bem que seria incapaz de dizer quem escreveu a biografia dos dois, não era capaz de realizar algo de botasse em risco o relacionamento deles. Traição então, imagine.
Mas, cá ele está.
“Devo chegar ai amanhã de manhã”.
“Não se esqueça que amanhã é o aniversario da gente. Vê se não falta”.
Amanhã no caso já era hoje. Essa conversa era entre sua mulher e um amigo que eles tinham em comum. Um amigo genérico, desses que você sabe o nome e onde se conheceu só. Flávio nunca mais ia se esquecer desse nome. Ele estava arrasado. Carla estava o traindo, com um conhecido e ainda mais comemorando aniversario de traição. E era ainda por cima no mesmo dia em que eles faziam também! Era demais. Feria coisas demais. Deixavam coisas demais em aberto, as possibilidades eram muito grandes. Flávio preferia viver de má-fé do que raciocinar em cima das probabilidades, do leque de informações quânticas, relativas que isso podia trazer. Sartre? Foda-se. Sempre foi fã e tudo, pregava que as pessoas eram um cardápio que elas mesmo podiam escolher, que não precisavam se assumir em apenas um papel, mas isso era em outro papo. Eram outros quinhentos. A realidade mudou pra ele, essa conversa filosófica era bonita até a vida fechar “O ser e o nada” e lhe bater na cara com mais de quatrocentas paginas de puro existencialismo.
A vida passava na cabeça de Flávio, ele tentava se ater as lembranças felizes, a filha e os momentos marcantes. Como num filme de terror, essas partes eram entrecortadas sobre os pensamentos de eles dois se amando, tomando vinho, de ela rindo das piadas dele, ela segurando os cabelos dele enquanto se beijam, até que...
Ele para o carro na garagem. Seu coração está acelerado, sua mente a mil. Em sua mala ele tinha uma arma. Levava pra se proteger de possíveis ladrões ou assassinos mandados pelos carteis de drogas, era policial. Foi subindo as escadas, cada passo ressoando uma porrada de aríete em um portão medieval. Parou a frente da porta de sua casa e queria que a perna realmente fosse um tronco de madeira, para poder derruba-la com uma pancada seca, que a destroçaria em lascas. A porta era fina, coisa moderna, ideia da Carla.
Ouviu movimentação lá dentro. Alguma voz falou em um tom baixo e afoito, sumindo rapidamente. Será que notaram alguém parada pela sobra do pé na porta? Será que ela o trouxe pra dentro de sua casa?!
Afoito, meteu a chave na fechadura e abriu a porta com voracidade, em lagrimas.
“Eu sei de tudo! Não precisa esconder ele de mim...”
“SURPRESA!”
Estavam lá reunidos, com bolo e a casa decorada, todos seus amigos, seus familiares e pessoas que tinha algum tipo de afeição. Sua mulher estava linda, empetecada da cabeça aos pés. Chegou perto dele, deu-lhe um beijo, um abraço apertado.
“Feliz aniversario de casamento, mô.”
Ele se desatou em mais lagrimas ainda.
No fim da festa, quando já estavam nus na cama, ela virou pra ele.
“Mas então, você chegou falando algo estranho. Algo sobre esconder ele de você. Esconder ele quem?”.
Flávio teria uma longa noite.