301-SANGUE NEGRO - Novo virus mortal

Baía Azul, pequeno povoado de pescadores no litoral paulista, foi transformado repentinamente em importante ponto de turismo, depois da construção do imenso Hotel Tropical, mais conhecido como Trop-Club. Projeto e propriedade de uma cadeia internacional de resorts à beira-mar.

O fim-de-semana tinha sido particularmente movimentado. O verão, insuportável nas grandes metrópoles, empurrava os turistas e muitos de seus habitantes para a praia. O Trop-Club mantinha quase a totalidade dos 770 apartamentos ocupada.

Do outro lado da baía, escondido pelo Morro do Farol, está a primeira. usina nuclear do país. Poucos dos freqüentadores do imenso complexo hoteleiro sabem da sua existência. Apesar de a continuação da construção da Unidade 2 estar sendo motivo de protestos pelos ecologistas, ali. na imensa área de lazer, ninguém se dá conta de tais manifestações. O hotel e toda a área de lazer é um oásis luxuoso de tranqüilidade para seus freqüentadores.

As primeiras ocorrências se verificaram na tarde de sexta-feira. Dois turistas se queixaram de intensas dores de cabeça e no corpo. Recorreram ao pronto-socorro, instalado no primeiro pavimento, com a fachada sombreada por frondosas amendoeiras. O doutor Ricardo Sarzedo observou o aparecimento de manchas escuras nos braços, pernas e costas dos pacientes. Manteve os dois homens sob observação. Deitados, caíram em ligeira sonolência sob os efeitos de poderoso analgésico injetado em suas veias.No decorrer das próximas horas, as manchas se transformaram em inchaços espalhados por todo o corpo.

— Jamais vi coisa igual. — Comentou com a enfermeira Luciana. — Vamos ter de mandar os dois para a capital.

A madrugada em São Paulo estava quente quando o helicóptero do serviço médico pousou no heliporto do Hospital Oswaldo Cruz. Assim que os médicos examinaram os pacientes, um alarma geral foi acionado.

Relatórios chegam do Hospital Oswaldo Cruz: os inchaços, após cobrirem todo o corpo das vitimas, faz escurecer a pele. Dentro de poucas horas, a vítima está deformada, com dores terríveis, o corpo enegrecido. O colapso dos pacientes ocorrem de modo traumático e terrível: os gânglios estouraram, expelindo um sangue preto, fétido, numa hemorragia total e incontrolável.

Os exames de sangue são demorados, e não ficam prontos antes da primeira morte, ocorrida ao amanhecer de sábado, no importante hospital da capital paulista. .

— Temos um vírus de extrema violência. Pior do que o Ébola. — O comunicado, lacônico, é transmitido ao Dr. Ricardo, com os resultados dos exames.

O helicóptero havia apenas deixado o Trop-Club e uma mulher apareceu no pronto-socorro, com os mesmos sintomas dos pacientes enviados a S. Paulo. No correr da madrugada, mais três pessoas foram acometidas de idênticos sintomas. Destes últimos, dois eram funcionários do hotel.

— É uma epidemia. — Contatou o dr. Ricardo. — Vamos isolar a área.

— Não, doutor, não podemos permitir que a notícia se espalhe por todo o hotel. — O gerente do Trop-Club, assustado, avisa ao médico encarregado do serviço de atendimento de urgências. — Se os clientes ficarem sabendo, vai ser o caos.

Na gloriosa manhã de sábado, uma nuvem de terror paira sobre o hotel e toda a região.

— O melhor a fazer é comunicar aos hóspedes que não podem sair. Devemos manter a situação sob controle. — O médico, usando de sua autoridade, vai mais além. — Também não se pode admitir mais ninguém. Até que tudo se esclareça, o hotel deve ficar fechado. Ninguém entra, ninguém sai.

— Isto é impossível! — O gerente custa a admitir que o hotel tenha de ser isolado. Mas sabe que a situação está escapando de seu controle.

Do Rio de Janeiro chega uma equipe de médicos e cientistas. São especialistas em doenças tropicais. A Defesa Sanitária Federal determina o isolamento do hotel e da área ao redor. Em principio, todos são considerados contaminados e portadores do vírus.

— A origem do vírus mortal é desconhecida. — Explica o médico-chefe da equipe. — Sabemos, entretanto, que é transmissível através dos fluidos do corpo: sangue, suor, saliva, urina..

A cada hora que passa, mais casos vão se verificando. Ao meio-dia de sábado, treze pacientes estão internados. Uma ala do hotel é transformada em laboratório e os quartos são isolados, onde são confinados os doentes no pronto-socorro, cuja área foi aumentada. Três já morreram. Todas as pessoas que estão na área isolada são submetidas a exames.

Um principio de pânico se estabelece. Alguns turistas conseguem furar o cerco, escapam nadando através da baia. Mesmo depois da proibição, três pessoas fogem (entre as quais uma funcionária do hotel) antes mesmo de serem examinados pela equipe médica. Um racionamento de gêneros tornou-se necessário, pois tudo está sob controle e proibição. Os hóspedes — entre os quais se contam dezenas de milionários exigentes e inconformados — ficam desesperados. Muitos funcionários se recusam a trabalhar, receosos de fazer contatos com contaminados.

Os médicos e cientistas analisam todas as premissas.

— Toda a área adjacente está sendo monitorada, num raio de cinqüenta quilômetros, a partir do hotel. Felizmente, não se registram casos fora desta zona em que estamos.

— É possível que venha pelo ar?

— Pouco provável. Talvez a contaminação tenha ocorrido pela água do mar. As primeiras vítimas parece que haviam estado na praia horas antes das manifestações iniciais da virose.

— Mas, se assim fosse, casos estariam sendo registrados ao longo da costa.

— Por alguma razão, apenas as praias do hotel foram atingidas. Uma corrente marinha...

— Hei! Pode ser, sim, pela praia. — O doutor Ricardo tem informações do local. — A praia de uso exclusivo dos hóspedes tem uma extensão de mais de cinco quilômetros. As águas são agradáveis, mornas, devido a uma corrente que vem direto da pequena enseada do Farol. Essa corrente traz as águas servidas pela usina nuclear do Morro do Farol.

— Mas são águas tratadas, despoluídas antes de serem devolvidas ao mar.

— O doutor não está pensando em...?

— Sim, isto mesmo! Uma nova cepa de vírus, evoluída e fortalecida por ínfimas doses de radiação da água descartada pela usina atômica.

Durante sete semanas o terror, o medo e a morte imperam no hotel. A praia interditada, escassez de comida, desespero de uns, inconformismo de outros. Trinta e sete pessoas morrem. Mas, separados os contaminados — que se tornam casos fatais — não há mais novos casos e tudo parece voltar ao normal. Na água do mar, exaustivamente examinada, não foram detectados sinais de radioatividade Os cientistas coletaram exemplares do vírus em tubos de ensaio, já começam a entendê-lo (tanto quanto é possível compreender o mortal comportamento dessa espécie de vida) e trabalham para a obtenção de uma vacina. Encerram o trabalho no hotel e voltam para o Instituto Oswaldo Cruz..No relatório final, entretanto, alertam as autoridades sanitárias e a população para o perigo de novas manifestações do vírus.

Do que os médicos e cientistas não se deram conta é que muitos turistas já tinham saído contaminados do Trop-Club antes da constatação do mal e da interdição do hotel. Nem tiveram ciência de três pessoas que fugiram do hotel nas primeiras horas da quarentena.

De repente, chega de São Paulo a notícia de um achado macabro: um corpo negro, como se carbonizado, mutilado, boiando às margens pantanosas de um grande reservatório d´água. A pele estourada em muitos lugares. As águas do charco estavam enegrecidas. O médico legista comunica o fato ao Instituto Oswaldo Cruz. Uma equipe é enviada ao local para averiguações.

— Trata-se mesmo do vírus do “Sangue Negro” , o VSN — confirmam os cientistas. Precisamos isolar a área.

— Isolar a área? Impossível. — O técnico da prefeitura da capital não vê como cumprir as ordens dos cientistas.

— Perchè ? indaga o Dr. Vicenzo Solchi, membro da equipe. .

— Essas águas são da represa Billings.

— Billings? — O cientista italiano parece pouco familiarizado com a megalópole paulista.

— É o maior reservatório de água do município de São Paulo. Fornece água para mais de dez milhões de habitantes. Na certa, já está contaminada.

ANTONIO GOBBO – BHTE, 25/AGO/2004

CONTO # 300 DA SÉRIE MILISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 15/07/2014
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