Desencontros

Milton e Lorena se conheceram na infância. Ele, menino melequento, meio mimado e chorão. Ela, já sabia o que queria. Poderosa, cabelos ao leu dos homens que a tentavam cavando o castelinho mais belo. Formaram um pequeno casal, eles dois. Ela, sempre na frente, cantando o que iria fazer. Ele, um capacho tímido, sem resolução. “É você que pega, vamos, vamos”.

“Mas não tá comigo, eu peguei você da ultima vez.”

“Tá com você sim”.

E lá se ia Milton, coitado, correndo atrás daquelas esvoaçantes madeixas que o hipnotizava. Ele não entendia porque ela gostava dele, naquele cérebro em desenvolvimento de criança. Ela na verdade, achava ele misterioso, o único menino da sala que não foi falar com ela, assim, com interesse. Aquele ar recluso, o jeito meio escondido de andar, a virada com a cabeça em torno de um eixo inclinado com aproximadamente 30 graus a direita que ele usava pra tentar disfarçar que estava tirando remela pela manhã e grudando na carteira. Ele era mais velho, o único aliás, o que a encantava também. Cabelos negros ondulados em conjunto com olhos fundos e com olheiras genéticas. Estranho, mas ela de algum modo gostava.Mas não podia demonstrar, não podia descer do salto. Uma vez poderosa, sempre poderosa.

Já ele, caia toda vez que sentia o cheiro do perfume de criança dela. Não sabia que era um perfume infantil, claro. Pensava que era o aroma de ambrosia, comida dos deuses gregos. Quando ela corria por ai, desafiando ele a fazer algo, descompassava. Os milissegundos que ela olhava pra trás e seus olhos se cruzavam, lhe diziam uma serie de coisas. Seus olhos diziam que ela era linda e seu olhar lhe dizia que era ela. Estava apaixonado.

Mas claro que isso ele só descobrira anos depois, quando acabaram se reencontrando na adolescência. Ambos mudaram de colégio e por uma virada do destino, se acharam. Ele agora estava com roupas cinzas listrada de preto, usava calças largas e meio rasgadas, All Stars e vivia escondendo o cabelo com um gorro preto. As vezes aparecia com camisas de banda de rock. Nirvana, Led Zeppelin, Metallica, música que entende os adolescentes. Ela, estava engajada. Raspou o cabelo de um lado, colocou um piercing no nariz, tatuagem no braço, camisas caídas e saias grandes eram parte do seu repertorio. Cabelo colorido contava também. Se animaram, ela com uma certa dificuldade de relembrar quem ele era, mudara muito, mas as olheiras não podia esconder. Conversaram sobre uma serie de coisas. Ele queria ser músico, uma banda pra emplacar e chocar o mundo. Ela, ciências sociais, ajudar as mulheres e as minorias. Ficaram de manter contato sim, trocaram telefone, Facebook. Papeavam sempre que podiam, por horas até. Milton, ou Tom, como os caras da banda chamavam ele, levava-a para diversos shows de rock, covers, workshop, ou só pra passar uma tarde ouvindo LP em sua casa enquanto fumavam. Ela, as vezes arrastava eles para palestras de psicologia, sobre feminismo, Simone de Beavouir, Foucault, Nietzsche, esses caras. Falava de meditação, horoscopo, sintonia e cosmos. Fumaram maconha juntos pela primeira vez, num show, com muito Pink Floyd e Slowdive.

“As vezes eu queria que o tempo desse um tempo sabe. Pra gente ficar aqui, viajando”.

“Não repare nisso, só curta. ‘Somos tão jovens’”.

Juventude é uma época da sua vida onde você não sabe nada, e geralmente se quebra por isso. Ele teve que se mudar para outro estado, o pai havia conseguido um trabalho ótimo, iam mudar de vida progredir. Eles ficaram arrasados, desilusão amorosa sempre é assim. Quando é adolescente então, segura. Antes do derradeiro adeus, eles se encontraram pela ultima vez, na casa dela.

“Toma isso, é pra lembrar de mim.”

Era o Houses of the holy, CD excelente do Led. Ela aceitou e guardou o CD no coração. Deu-lhe uma tornozeleira que mandara fazer escrito happiest days o four lives. Se abraçaram, se beijaram longamente e se separaram.

Encontraram-se mais uma vez no show dele, do Milton. Que agora era Miltinho, tocava MPB, com um renome razoável. Ele a viu entrando enquanto tocava uma bossa, e sua alma sorriu enquanto sua boca cantava. Ela sentou e acenou. Quando vira que ele iria fazer um show em Brasília, onde morava, não pensou duas vezes em ir. Tocava bem, o Milton. Quer dizer, não lembrava de ele tocar violão, só a guitarra da banda, mas ele estava mandando ver. Assim que terminou o show, se encontraram no bar, uma cerveja lá e outra cá, foram se reconhecendo. Ela casou, era uma psicanalista firmada na região, com estabilidade, dois filhos, marido era engenheiro civil. Ficou feliz por ela o Milton. Não sentiu ciúmes, não tinham mais espaço pra isso. A única coisa que ele sentia era extrema afeição e vontade de fazê-la bem. Ele tinha gravado um CD agora, estava em turnê. Morava no rio, mas rodava o Brasil com frequência.

Na volta do show, ele tocou The Rain Song, musica do álbum que tinha lhe dado na adolescência. Esperava que Lorena pegasse a referencia. Ela pegou. Reparou que ele ainda usava a tornozeleira. Sorriu, um sorriso quente e sincero. O marido liga, dizendo que precisava de ajuda com as crianças. Ela deixa o numero dela com o garçom e faz um sinal pra ele. Milton entende, e pega o telefone dela no fim do expediente.

Quem sabe eles não se encontram outro dia.

Adriano Santos de Sousa
Enviado por Adriano Santos de Sousa em 14/07/2014
Reeditado em 14/07/2014
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