297-O ENCAPUZADO-Crimes:desfalque,assassinato.

— Precisamos pôr um fim nessa coisa toda. — Disse o homem alto, num sussurro. — Pra mim, já chega.

— Acho melhor a gente fugir. — respondeu o baixinho, também falando em surdina.

— Você tá maluco? Vamos bolar um plano que deixe a gente acima de qualquer suspeita.

— Não sei como... — O baixinho olhava para os lados, antes de falar. Foi interrompido pelo colega:

— Deixa comigo, vou estudar uma saída. Mas, a partir de hoje, não vamos “sacar” mais nada, entendeu?

Mesmo trancados na sala do gerente, os dois funcionários falam aos cochichos, como convém aos que tramam ações escusas.

O desfalque na agência bancária já andava pela casa dos milhões quando os dois funcionários — o gerente Alvarado e o tesoureiro Oscar — resolveram que era tempo de parar com a falcatrua. Após alguns meses, tinha rendido a ambos dinheiro que não ganhariam em um ano de seus salários.

A rotina da agência do Banco Estadual de Caraopé permitira atividades do tipo que estava acontecendo. As chaves do cofre-forte eram mantidas pelo gerente e pelo tesoureiro. Todas as noites, o dinheiro do caixa era recolhido ao cofre, que então era fechado pelos dois funcionários de confiança. O tesoureiro ainda permanecia algum tempo a mais, saindo da agência pelas nove horas da noite. Portava uma pasta preta, onde, dizia, levava objetos pessoais. Invariavelmente, quando Oscar, o tesoureiro, saía, o vigilante noturno já estava a postos. Então, ambos percorriam o recinto do expediente, as salas anexas, a ver se tudo estava em ordem.

Seguindo o plano idealizado pelo gerente, escolheram a noite de sexta-feira para finalizar a operação. Tudo correu normalmente: Alvarado e Oscar fecharam, sem trancá-lo nem passar o “segredo”. Oscar saiu da agência antes de Alvarado, avisando Tião, o vigilante:

— Volto dentro de cinco minutos para pegar minhas coisas.

O gerente saiu poucos instantes após.

— Fica esperto na vigilância. — Disse ao guarda, quando saiu, poucos instantes após Oscar. — Tá acontecendo assalto em toda a redondeza. O revólver tá carregado? Cuidado! E boa noite.

Tião arregalou os olhos, surpreso. Tá pensando que sou frouxo? Passo fogo no primeiro que tentar brincar comigo. — pensou.

Oscar volta, carregando uma sacola de plástico. O guarda observa: Onde será que ele foi comprar roupa a essa hora da noite?

Interrompendo os pensamentos do guarda, Oscar lhe pede:

— Tião, me faz um favor. Será que você pode levar esta máquina se somar até o terceiro andar? Deixa ela em cima do balcão.

O vigilante pega a máquina nas mãos grandes e sobe as escadas. Diacho de coisa! Levar essa máquina lá pra cima, pra quê? Lá tem umas três ou quatro. Quando chega ao segundo andar, sua desconfiança aumenta. Coloca a máquina numa mesa e desce, sem fazer barulho. Ao chegar no primeiro andar, é surpreendido com a figura de um homem encapuzado, todo vestido de preto. Numa das mãos tem um revólver, em outro alguns fios ou cordas finas. Ainda com as palavras do gerente nos ouvidos, Tião não pensa duas vezes: saca imediatamente do revólver e atira. O encapuzado também atira. Ambos são alvejados: o guarda sente o braço queimando, onde a bala passou raspando. O encapuzado grita e leva a mão ao pescoço: a bala passara pelo lado esquerdo, num raspão fatal, pois atingira a jugular. O sangue esguicha e o encapuzado cai, tonto, já nas guascas da morte.

Puta que pariu! Deve ser uma quadrilha. Vai ver, trancaram o seu Oscar no banheiro. Os pensamentos se atropelam na cabeça do vigilante, que, apavorado, foge pelos fundos da agência.

Chamados por pessoas que ouviram os tiros, soldados da Polícia Militar chegam ao local. Vêem o corpo estirado no chão, morto. Com cuidado, dão uma vistoria na agência e não encontram cúmplices ou parceiros do encapuzado. Chamam os colegas da perícia, que chegam ao mesmo tempo que Alvarado, o gerente.

— Mas...foi um assalto!

— Sim, seria um assalto. Mas o vigia matou o assaltante antes que o roubo se consumasse.

— Onde está o vigilante? — preocupado, o gerente pergunta.

— Fugiu do flagrante. Está ferido. Veja as marcas de sangue no chão. Mas logo o encontraremos.

O chefe da perícia agacha-se e tira o capuz do morto.

— Mas ...é o Oscar...o tesoureiro! — Mostrando surpresa, o gerente identifica a vítima.

Sucumbido, o gerente se dirige ao seu gabinete de trabalho. Não aconteceu como havia combinado. O idiota do guarda não tinha nada que entrar de herói. Lembra com detalhes o combinado: Você simula o assalto: amarra o vigilante. Depois, aparece na periferia, dizendo que tinha sido vítima de um assalto. Mas talvez o guarda não tenha visto sem o capuz. Se soubesse que era o Oscar, não teria fugido. Talvez nem teria atirado. Mas, mesmo assim, vai cair sobre Oscar toda a culpa do desfalque. Esta confusão foi como que uma confissão. Ficou repetindo as últimas palavras confissão...confusão...confissão.

Uma semana depois, o delegado visita o gerente na Agência.

— Então, Dr. Mota, já encerraram o inquérito?

— Ainda não. O senhor tinha razão: aquilo não foi um assalto de verdade. Foi uma simulação pra encobrir o desfalque de sua agência. As câmaras filmaram tudo. Uma farsa muito bem bolada, sem dúvida nenhuma. Porém, a coisa complicou-se. Encontramos o vigilante e...

— Como, complicou-se? O vigilante sabe de alguma coisa? — Alvarado não consegue esconder sua ansiedade.

— Não, ele não sabe de nada. Atirou em legítima defesa. Mas não sabia quem era o encapuzado. O problema é que o seu tesoureiro não estava agindo sozinho. Tinha um comparsa.

O gerente recostou-se na sua cadeira giratória, numa atitude de aparente tranqüilidade:

— Não é possível! Só ele poderia articular um plano tão mirabolante.

— Pode ser. Mas o “plano mirabolante” , como o senhor diz, não foi revelado por ele — que morreu quase instantaneamente, com a jugular perfurada.

O delegado olha Alvarado bem nos olhos. E diz tranqüilamente:

— O “plano mirabolante” foi o senhor mesmo quem nos revelou.

ANTONIO GOBBO = BELO HORIZONTE, 12 DE AGOSTO DE 2004

CONTO # 297 DA SÉRIE MILISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 13/07/2014
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