Jennifer - Marta

- Hoje é um grande dia.

Jennifer levantou-se da cama, lavou o rosto e prendeu seus longos cabelos num nó imperfeito. Colocou uma calça jeans suja e surrada e uma camiseta preta.

Ultimamente, esse era o visual. Roupa preta e suja. Foda-se a sociedade, pensava. Eu me visto como quero.

Acabara de completar quinze anos, se sentindo com vinte. “Puta merda, estou ficando velha” o pensamento ressoava em sua mente.

Pegou sua mochila com o material básico da escola, seu soco inglês no bolso da calça e o celular que ganhara de presente de seu pai.

“Essa merda não serve pra mais nada além de ouvir música e combinar encontro com minhas vítimas”, pensava.

Não queria um celular de presente. Queria um arco. Gostava de arco-e-flecha. Já que não ganhou um de presente, comprou um por si mesma.

Foi para o rancho, com um cigarro entre os dedos e uma garrafa de água nas mãos.

Praticaria arco-e-flecha de manhã, de tarde iria à aula. Esse era o plano. Na verdade, a rotina.

Para quebrar a rotina, acertava uns passarinhos com uma flecha bem pontuda. Às vezes tinha a sorte de pegar um coelho.

E então ficara lá a manhã inteira, mirando no alvo. Quando saiu, viu que choveria.

- Bom, hoje é um grande dia, grande dia mesmo. Vou encontrar Marta mais tarde.

Aquela ruivinha metida a patricinha. Que nojo dela. Fitas rosas nos cabelos, pulseiras num pulso, relógio fino no outro. Sempre de saia. Sempre usando blusas de alcinha. Que nojo. Sempre rosa.

Sempre organizada.

Jennifer, o oposto. As duas se tornaram amigas. Na verdade, Marta era amiga de Jennifer. Jennifer só queria torturar um pouco aquela pele macia. E hoje era o dia.

Saiu do rancho com umas ferramentas a mais na bolsa. Aprendera – desde o episódio com Marina – que precisaria de algumas ferramentas.

Então sempre tinha na bolsa dois pedaços de corda grossa, mordaças e alguns instrumentos de tortura, como canivetes, o soco inglês que sempre a acompanhava, independente de onde estivesse, alguns pregos grandes e grossos enferrujados e um martelo pequeno. Nada que pesasse na bolsa ou desse volume.

As duas encontraram-se na praça do bairro de Jennifer – continuava morando naquele bairro chato cheio de segurança – e conversaram por alguns minutos.

Naquele mesmo bairro, no final da rua, havia uma casa que todos diziam ser mal-assombrada. Diziam que pessoas que entrassem lá dentro sairiam amaldiçoadas.

“Babaquice”, dizia Jennifer. Convidou Marta para ir até lá, como um desafio. Tudo que Marta queria era ver Jennifer de saia e saltos altos. Se Marta a acompanhasse até a casa, Jennifer usaria saia e saltos altos. E usaria uma bolsa, também, ao invés da velha mochila preta.

Marta concordou. As duas andaram – calmamente, pois Marta não conseguia acompanhar os passos largos de Jennifer, em cima daqueles saltos agulha – em direção à casa. Jennifer sentia a excitação percorrê-la.

Suas veias vibravam, sua cabeça rodava. Essa sensação é sempre gostosa. É sempre muito boa, mesmo.

Quando entraram na casa, Marta falou em desistir.

- Olha, você não precisa usar saia. Nem saltos altos. Tudo bem. Só vamos cair fora. Estou com medo daqui.

- Não, nada disso. Aposta é aposta. Não há nada aqui, vê? É tudo vazio. Vamos ao segundo andar, depois descemos. E amanhã você me verá vestida de menina.

- Ok, ok, mas ainda acho uma má ideia.

“É uma má ideia, sua idiota”, pensou Jennifer.

Subiram ao segundo andar, agora a excitação, próxima ao ato, já estava demais.

Jennifer queria começar logo. Como faria Marta sentar-se? Ah, sim.

- Vou te propor um desafio, só mais um. Se você concordar, usarei maquiagem também.

- Ok, já que já estamos aqui…

- Vamos brincar de esconde-esconde.

- Tá, tudo bem.

- Você quer se esconder primeiro ou prefere que eu me esconda?

- Eu me escondo.

Marta começou a andar pelo recinto, Jennifer se colocou de costas para ela, encostada à parede.

- Vou contar até vinte. Você não precisa se esconder aqui, vale a casa toda. Ok?

- Ok.

Marta começou a procurar um lugar para se esconder. Saiu do quarto e seguiu o corredor, indo até o final. “Até que a brincadeira não é tão ruim, parece legal”, pensou.

Encontrou um armário grande, uma espécie de guarda-roupas, mas que poderia ser usado para qualquer coisa. “Quem sabe um dia eu volte aqui e pegue este armário. É muito bonito.” E se encondeu dentro dele.

Jennifer chegou ao vinte e gritou “lá vou eu!”.

Foi à caça. E não foi de mãos vazias. Tinha na mão o martelo e, no bolso, o soco inglês.

Percorreu o andar de cima inteiro, chegando por último ao quarto onde Marta se encontrava. Viu o armário e pensou “ela está ali, com toda a certeza”. Falou “ai, caralho, onde está essa garota?” em voz alta.

Fez barulhos com os pés, como se estivesse saindo do quarto, porém escondeu-se atrás da porta.

Viu Marta saindo de dentro do armário, achando que a tinha enganado. Quando Marta passou por Jennifer, sem notá-la, Jennifer saiu de trás da porta e seguiu-a.

Marta olhou para trás. Jennifer atacou.

Deu uma martelada na cabeça de Jennifer, com a parte que arranca os pregos. Marta começou a correr e gritar. Estava sangrando do lado da orelha.

Jennifer seguiu-a, pois Marta é tão fútil que correu diretamente para o quarto onde havia deixado sua bolsa. Foi até lá na intenção de pegar a bolsa e cair fora, mas Jennifer não deixaria.

Antes de começar a procurá-la pela casa, preparou tudo. Posicionou a cadeira no meio da sala, deixou a mordaça, as cordas e os pregos também posicionados.

Pegou Marta pela cintura, sentou-a na cadeira e deu-lhe mais uma martelada, dessa vez no outro lado da cabeça. Marta desmaiou.

Jennifer verificou seu pulso. “Ainda está viva. Agora é só esperar.”

Quando Marta acordou, Jennifer começou a trabalhar nela. Pegou os pregos e martelou suas mãos, prendendo-as aos braços da cadeira. “Como Jesus, só que numa cadeira”, e riu.

Pegou as cordas e prendeu os pés de Marta nos pés da cadeira. Bem firme, para que ela não conseguisse se soltar de jeito nenhum. Colocou-lhe a mordaça.

- Você… Sempre tão rosa, sempre tão organizada. Será que seu sangue também é rosa? Será que seu sangue jorra em linha reta? Será que vai fazer uma poça certinha, aqui no chão dessa casa “mal-assombrada”? – fez aspas com os dedos, começou a rir.

Marta olhava-a de olhos arregalados. Ela não tinha belos olhos. Eram vazios, assim como seu cérebro.

Jennifer pegou o soco inglês.

Golpeou Marta no estômago, nas pernas, nos braços. Mas não no rosto. Ela tinha algo melhor para o rosto.

É claro que eu não lhe contaria que Jennifer saiu com um maçarico, agulhas e linha dentro da bolsa. Seria muito óbvio. Mas agora é a hora de você saber que Jennifer tinha esse maçarico. E ela faria bom uso dele.

Pegou o maçarico e ficou olhando as chamas. Sim, o fogo é muito belo. Ele purifica, constrói e destrói.

Aproximou o maçarico da bochecha de Marta. Ela arregalou ainda mais seus olhos vazios.

Queimou toda a bochecha esquerda de Marta. Adorava o cheiro de carne queimada. Foi contornando todo o rosto de Marta com o maçarico, como uma pintora trabalhando com aquarela, tomando cuidado para não chegar muito perto dos olhos. Os olhos eram especiais, pensava. Os olhos mereciam um tratamento mais digno. Ficaria por último.

Queimou todo o rosto, os cabelos, as orelhas. Fez algumas brincadeiras com o corpo de Marta – já nu, vestindo apenas os saltos – e Marta continuava arregalando seus olhos. Ela não conseguia gritar. Jennifer amordaçara-a de tal forma que, nem com toda a força de todas as amazonas do universo, Marta conseguiria gritar. Isso era importante. Ela estava num lugar que todos julgavam mal-assombrado. Se alguém ouvisse qualquer coisa, uma visita seria provável. E Jennifer só queria matar Marta.

Quando cansou de queimar, começou a costurar, como uma dedicada dona de casa. Abriu cortes em partes especificas do corpo de Marta – axilas, pescoço, dobras dos joelhos, entre os dedos – e depois, calmamente, passou a linha pelo buraco da agulha, na frente de Marta. Pegou a agulha e começou a costurar os cortes, dando pontos perfeitos. “Sou boa nisso”, pensou. Só não sabia se falava sobre costurar ou sobre torturar.

- Veja bem, Marta. Você é uma vadiazinha – dizia, enquanto costurava-a – e ninguém suporta você e seus saltos agulha. Ninguém quer saber se seu pai te deu um Yorkshire e se você vai fazer as unhas no final do dia. Ninguém se importa com você, sua garota mimada. Entende isso? – parou e olhou para Marta, que assentiu – Que bom que entendes isso, puta. Pois saibas, depois de hoje, vão se importar ainda menos. Porque antes se importavam pelo fato de você ser bonitinha. Agora, não será nem mesmo bonitinha. Você vai aguentar o resto da dor que vou te causar? Se você aguentar, vai sobreviver. Não vou te matar. Não sou tão caridosa assim. Mas se não aguentar a dor, morrerá. – e continuou costurando – Dói? A costura. Dói? – perguntou para Marta. Ela assentiu. – Isso é bom. Mas já cansei de te costurar.

Chegou mais perto de Marta, encostou seu nariz ao dela, já queimado. Olhou dentro de seus olhos.

Agora não estavam mais vazios. Havia medo, desamparo, um silencioso pedido de socorro. Marta estava imóvel, mal respirava. Se debatia um pouco, mas sabia que se mexesse muito as mãos, doeria mais.

Sabia que, se mexesse as pernas, as dobras dos joelhos doeriam ainda mais. Portanto, ficaria imóvel. Não era tão burra assim. Mas continuava burra.

- Agora, linda, farei uma pequena cirurgia em você. Fique quietinha, não doerá. Se você aguentar, claro.

Pegou seu canivete, abriu-o, escolheu a ferramenta mais útil, que se assemelhava a um bisturi. Aproximou o bisturi dos olhos de Marta. Encostou com a ponta, só para ver como ela reagiria. Piscou, óbvio. Droga, não havia pensado nisso. “Sempre esqueço de alguma coisa”, pensou.

- Já venho. Não sai daqui. Caso contrário, te mato.

Saiu pela casa, em busca de qualquer coisa que pudesse segurar os olhos de Marta. Entrou em todos os quartos e salas da casa. Nada. Nem fita crepe havia encontrado. Encontrou um porão. Vasculhou um pouco.

Encontrou uma pequena caixa com instrumentos de pesca. Pequenos ganchos. Serviriam.

Voltou correndo para o quarto, onde Marta tentava se livrar das cordas em seus pés. Havia se livrado, de alguma forma, do prego na mão direita.

- Sua vaca! Eu disse para ficar parada, quieta! – e deu um tapa na cara de Marta.

Pegou outro prego. Posicionou a mão de Marta no braço da cadeira e martelou.

- Agora fica quieta, senão vai doer mais ainda.

Pegou a linha, uma agulha e um gancho. Passou a linha na agulha, deu um nó. Na outra ponta da linha, prendeu um gancho. Passou a agulha no couro cabeludo queimado de Marta, fixando-o ali. Pegou o gancho, furou uma das pálpebras de Marta. A linha enrijeceu, fazendo com que a pálpebra não se mexesse. Bom, não se mexeria se Marta quisesse ainda ter pálpebras. Fez o mesmo na outra pálpebra.

- Viu? Sou um gênio, Marta.

E pôs-se a trabalhar. Pegou o bisturi, aproximou-o novamente do olho de Marta que, dessa vez, não piscou. Enfiou o bisturi por baixo do olho de Marta, na intenção de arrancar o olho. Mexeu um pouco, lembrou-se de Marina. Marina era uma boa moça. Mas merecera aquilo. Assim como Marta. Mexendo mais um pouco, conseguiu encontrar a veia que prendia o olho de Marta. Cortou-a. Seu olho caiu no chão e rolou pelo quarto. Marta gritou, dessa vez, nem a mordaça conseguiu deter aquele grito de dor e horror. De seu olho direito, saía um pus amarelo, parecido com pudim de creme. Jennifer ficou imediatamente com fome. Fez a mesma coisa com o outro olho. Novamente o pus. Novamente a sensação de fome.

- Você tem órbitas muito bonitas. Elas mostram o que você realmente é. Vazia, negra, podre. – e riu alto.

Sorrindo, pegou os olhos de Marta do chão, furando-os com as agulhas de crochê que trouxera.

Pena que Marta não podia ver seus olhos espetados naquelas agulhas. Pareciam apetitosos. Jennifer se controlou para não dar uma mordida. Mas guardaria de lembrança.

Colocou os olhos de lado, prendendo as duas agulhas de crochê, com a linha fina, num laço. Deixou-as de lado.

Marta estava quase morrendo. Não faltaria muito.

“Como vou matá-la?”, pensou. “Não, eu prometi que não a mataria”. Ficou divagando.

Olhando para Marta, naquele estado, sentia-se satisfeita. Mas não por completo. Pegou o pulso de Marta. “Ainda viva, ela é forte”, pensou.

Tirou a mordaça de Marta, com cuidado. Se ela gritasse, estaria tudo perdido.

- Marta? Está me ouvindo?

- Socorro… – dizia, fracamente.

- Não vou te socorrer, sua panaca.

- Porque…?

- Porque você é uma vadia.

- Socorro… Me ajuda…

- Não vou te socorrer!!! – e deu um tapa na boca de Marta. Seu ódio rapidamente voltou, sentindo-se novamente desejando torturá-la.

Amordaçou-a novamente. Tirou os ganchos das pálpebras de Marta, mas deixou as agulhas no couro cabeludo.

Abriu suas pálpebras novamente para ver suas órbitas. Pegou o maçarico. Queimou suas órbitas.

Pegou a agulha e a linha. Começou a costurar suas pálpebras. Olhos fechados. Marta morreria de olhos fechados.

Costurou perfeitamente aquelas pálpebras sangrando. Quando terminou, deu um toque final. Pegou a bolsa de Marta e o estojo de maquiagem.

Passou sombra rosa e delineador, perfeitamente, naquelas pálpebras. Batom nos lábios já pálidos. Blush nas bochechas queimadas.

- Agora você está pronta para morrer.

Pegou o canivete e, ainda com o bisturi, golpeou-a no coração. Marta já estava fraca. Morreu nesta hora, sem dúvida alguma.

Mas Jennifer não daria chance de sobrevivência. Mais um golpe.

Quando viu que não havia mais jeito, que Marta já estava morta, parou.

Pegou suas ferramentas e colocou-as na mochila. Desceu as escadas da casa, deixando Marta na cadeira, sem vida.

Foi até a antiga cozinha da casa, lavou as mãos. Era um mistério o fato de ainda correr água por aqueles canos velhos e desocupados há anos. Mas não se questionou.

Tinha de lavar as mãos, dessa vez havia feito mais sujeira mas, novamente, não havia sujado suas roupas. Era realmente boa nisso.

Em torturar, em matar. Em fazer alguém sentir dor.

Saiu da casa e seguiu para sua casa, onde foi diretamente para o seu quarto.

Pegou seu celular, colocou uma música e os fones de ouvido. Deitou-se na cama e fechou os olhos, aliviada.

“Uma mulher fútil a menos no mundo”, pensava.

Seu porquinho-da-índia se agitava na gaiola. Ela não o torturava mais há anos – desde Marina – e não sentia vontade de fazê-lo.

Enquanto existissem mulheres rosas e organizadas no mundo, não precisava torturar seu bichinho.

Tammie
Enviado por Tammie em 11/07/2014
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