O Funcionário Número 18

Quarta-feira e o funcionário número 18 pela primeira vez faltou. Um dia ensolarado, nada de anormal no trânsito, e doente ele , o funcionário número 18 não andava, não prestava nem pra gripe.

Há oito anos, ele, o funcionário número 18 trabalhava na empresa, em uma das grandes cidades onde ela, a empresa, atuava com uma das suas grandes filiais. Logo ali, depois das escadas rolantes, pouco além dos sanitários, o número 18 trabalhava, sempre disposto, asseado, se não sorridente, de mau humor nunca estava. E agora esse inexplicável acontecimento, lamentável episódio: a falta. E justamente na quarta-feira. Na sagrada "Quarta do Eletro", dia em que os eletrodomésticos podem ser comprados com dez, vinte e até cinquenta por cento de desconto na grande loja, empresa de conduta honorável, como ele, o funcionário número 18 costumava dizer, cumprindo com rigor, disciplina e (por que não?) até amor o seu papel-cargo de gerente do setor de eletrodomésticos. Gabava a empresa sem pudor e com vaidade. E agora isso. A falta.

Considerando o extraordinário ocorrido, tendo ele, o funcionário número 18, nem mesmo ligado para justificar sua falta, o pessoal do RH obrigou-se contactá-lo. Foram várias as ligações: sem resultado.

A verdade é que a loja passou o dia carente do exímio funcionário número 18, justamente na "Quarta do Eletro".

Na quinta-feira (se interessa ao leitor, "Quinta do Enxoval") o pessoal do RH recebeu uma ligação, informando uma morte, do Osvaldo. "Quem?" perguntou a moça do RH, bocejando sem interesse. "Osvaldo Rodrigues, tivemos a confirmação de que ele trabalhava aí". O homem no telefone era uma autoridade e também estava com sono. Folheou alguns papéis com impaciência, tão estrondosamente, que até a moça do outro lado da linha ouviu.

"Osvaldo Rodrigues, 36 anos, solteiro, gerente do setor de eletrodomésticos, funcionário número 18. Causa do óbito: intoxicação por vazamento de gás. O cara se matou, trabalhava aí e era meu dever informar. Dever cumprido. Tenha um bom dia", e assim desligou o telefone, natural e friamente.

A moça do RH, natural e friamente, tendo ouvido isso, ligou para o gerente da filial, que ligou para outras pessoas importantes, a fim de dar baixa na carteira de trabalho do funcionário número 18. Os funcionários eram numerosos, e os poucos e antigos que trabalhavam naquela filial e conheciam o finado funcionário número 18 não foram dispensados para presenciar o velório.

A grande empresa, exemplar, de honorável conduta contratou um novo gerente de eletrodomésticos no mesmo dia, um rapaz que tinha experiência em administração comprovada na carteira, além do que era alto, bem falante e tinha bons dentes. Um tal de funcionário número 18.

R A Ribeiro
Enviado por R A Ribeiro em 09/07/2014
Reeditado em 17/09/2015
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