252-O REVOLVER DE DURANGO-Bom Humor

Era uma vez Sapetaperê, cidade dos mistérios e das confusões. A turma de caçadores, todos com mais de sessenta anos, reunia-se à porta do bar do Ino, o proprietário que já bebera dois bares e estava em vias de acabar com o estoque do seu terceiro bar. Atualmente, apenas saudosistas do tempo em que havia caça por toda a Serra do Chapadão e nas beiradas do Rio Grande. Reuniam-se para se lembrarem das façanhas e das aventuras de antanho.

Um deles, Nenê Durango, tinha mania de armas. Caçador de fama, tinha três cartucheiras, uma Flaubert de mira e dois revólveres. Armas que mantinha limpas e engraxadas, prontas para qualquer eventualidade. Vestia-se sempre de preto, daí o apelido, do qual se orgulhava. Armas luzidias e uniforme lúgubre impressionavam a quantos cruzassem com Nenê Durango. Contudo, não escondiam seu caráter bonachão e brincalhão, sempre disposto a pregar uma peça nos amigos e até em desconhecidos.

De toda a coleção de armas, a que mais lhe agradava era uma a qual ele chamava de Relâmpago: um luzidio Smith & Weston adaptado para seu uso, dependurada invariavelmente no coldre do cinturão. Arma vistosa, brilhante, de cabo de madrepérola, parecia ter saído da fábrica naquele momento. Arma que assustava, ainda mais nas mãos de um cara vestido de preto e com jeito de bandido de filme caubói.

Seus companheiros de caçada sabiam do segredo de tal ameaça. Na verdade, era uma arma “preparada”, isto é, adaptada para as estritas necessidades de Nenê Durango. Uma imitação, feita com capricho pelo Laurindo Cavaquinho, que vivia de fazer rabecas, violas e cavaquinhos, ofício do qual era mestre. Pois Laurindo tinha atendido à encomenda de Nenê Durango: fez, de madeira de lei, finamente esculpida, incrustada com madrepérola, cano de metal, gatilho e tudo mais. Imitação perfeita. Houvesse um concurso para imitadores, a “S&W” feita pelo escultor levaria o primeiro prêmio, sem dúvida nenhuma. Não disparava balas. O tambor era uma pequena bolsa de borracha, depósito de ar comprimido, que Nenê enchia com uma pequena bomba de encher pneu de bicicleta. E disparava um projétil de rolha, inofensivo. Claro que, dada a pouca potência da cápsula de pressão, a arma tinha pouco alcance e, portanto, deveria ser usada apenas à queima-roupa, ou seja, bem próxima da vítima.

Um dia, numa discussão boba, coisa de bebida, Nenê Durango se sentiu ofendido por Pedrim Mentira. No calor da troca de palavras, Nenê sacou da sua arma e disparou-a, à curta distância, sobre Pedrim. O projétil bateu no peito da vítima que se estatelou no chão do bar.

— Ai! Ai! Ai! Estou ferido! — berrava como um porco na iminência de ser abatido, enquanto Nenê Durango assoprava o cano da arma e se afastava com imponência.

— Por favor, chamem a Niquinha, chamem minha mulher, quero me despedir dela.

Acercaram-se alguns freqüentadores do bar, mais curiosos do que pretendendo fazer qualquer coisa pelo homem deitado. Chega o delegado Luquinha Sereno que se agacha ao lado do Pedrim Mentira e abre sua camisa.

— Uai, Pedrim, cê num tá ferido não. Cadê sangue? Num tem ferimento nenhum.

Pedrim assenta-se ao ouvir as palavras ressuscitadoras. Apalpa o peito. Nada sente. Ajudado pelos curiosos, levanta-se. Passa as mãos pelo peito, barriga. Desce, passa pelas nádegas, apalpa os bolsos das calças. Enfia a mão no bolso traseiro e retira um pente, partido em três pedaços.

— Isso lá é brincadeira! Ele quebrou em três o meu pente de estimação!

Chegando à porta do bar, grita ao delegado, que já estava longe:

— Ô sô delegado Sereno, manda prendê o Durango.

ANTONIO ROQUE GOBBO

BELO HORIZONTE, 4 DE NOVEMBRO DE 2003

CONTO # 252 DA SÉRIE MILISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 24/06/2014
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