Ecos

Andava sozinho pela casa. Eram quatro horas da manhã. Mais uma noite sem dormir. O silêncio invadia a sala. Erros gritados por vozes alternadas. Ora crianças, entre risos e com dedos em riste, vagavam em sua imaginação. Ora homens e mulheres, cujos rostos carregavam traços estranhos e conhecidos, gargalhavam dele. Todos se revezavam, apontando caminhos alternativos para a sua história. “Viverá algo que o transformará em um espectro do que poderia ser. Será vazio até o último segundo. Até o último antidepressivo. Até o suspiro final.”

Cansado, com os olhos ardendo e sem força para responder às frases proferidas por diferentes vozes em sua consciência, caminhou em direção à varanda. As luzes iluminavam o deserto em que se transformara a rua. A noite densa era a fiel representação de sua vida. Escura. Vazia. Fria. Livre e, paradoxalmente, ocupada.

Ouviu o celular tocar. Pegou o aparelho e o desligou. Decidira que, naquele momento, necessitava apenas do silêncio que o envolvia. Nenhuma voz poderia lhe trazer alívio. Elas equivaliam a angústias e aborrecimentos. E ele não as queria.

Voltou para a sala. Olhou-se no espelho. Envelhecera muito em pouco tempo. Lembrava-se de ter observado a sua imagem há alguns meses e ela conservava certa jovialidade que, no momento, não fazia mais parte de seus traços. Sua aparência era desleixada. As olheiras se destacavam, ofuscando o tom levemente esverdeado de seus olhos. Esfregou-os, deixando embaçada a imagem a sua frente.

- Acha que está certo ao sufocar seus pensamentos? Tentar escondê-los de você mesmo?

- O que você sabe sobre meus pensamentos? O que sabe sobre mim?

Homem e imagem se encararam. Notara que seu reflexo não era semelhante ao seu rosto. O rapaz do espelho tinha a juventude que ele havia perdido e transparecia uma atípica alegria. O homem real parecia ainda mais abatido.

- Olhe para mim. Não se reconhece mais? Conheço o seu lado oculto. Sou tudo o que você não quer aceitar, meu amigo. – sem respostas, o homem fechou os olhos. – Não adianta. Podes não querer enxergar, mas sabes que minha voz sempre estará em seus pensamentos. Serei a dúvida jamais respondida. Serei o que você poderia ser, mas não foi. E nunca será.

Risadas preencheram o vazio da sala. O homem, então, afastou-se do espelho e foi para o quarto. Deitou-se. Ao seu lado, sentiu um leve movimento. Mãos tocaram o seu cabelo. Arrepios percorreram o seu corpo e um aperto no peito alterou o ritmo de sua respiração. Fechou os olhos. Quis afastar os questionamentos e se alegrar com falsas ilusões. Um braço o envolveu. Tudo havia mudado. Pernas se enroscaram nas suas. Tentava dormir. Aproximação suave. Fingiu dormir. Afastamento. As risadas continuariam a ecoar.

Paula Vigneron
Enviado por Paula Vigneron em 22/06/2014
Reeditado em 05/06/2015
Código do texto: T4854823
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